Digestivo nº 130 | Julio Daio Borges | Digestivo Cultural

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DIGESTIVOS

Quarta-feira, 23/4/2003
Digestivo nº 130
Julio Daio Borges
+ de 4000 Acessos




Imprensa >>> Diga-me com quem és
A “Trip” resolveu dar um tempo nas mulheres peladas que estampa em suas capas e publicou uma entrevista com Pedro Bial. Qual Pedro Bial? O apresentador do “Big Brother” ou o jornalista entusiasta das letras brasileiras? Os dois. Na lista de declarações fortes, afirma uma vocação insuspeitada para Chacrinha. Sim, o Velho Guerreiro; é assim que encontramos Bial nas bancas: fantasiado, de cartola, corneta, chupeta e tudo. O que ele quer mais? Aparecer? Só se for, como diz, para obter (mais) sexo. É o que a intelectualidade, que nunca leu Freud, chama de “teoria freudiana”. Enfim. Bial é muito melhor do que hoje aparenta. Usa um subterfúgio típico: ele “sabe” que os reality shows são uma excrescência, chega a sugeri-lo, mas finge que tenta tirar alguma lição daquele circo. Ou então a velha saída dos oportunistas (que somos todos nós, capitalistas): faço por dinheiro; se te pagassem o que me pagam, você também faria”. [Será que faria?] Há ainda uma derradeira desculpa esfarrapada nesses casos: botar a culpa nos patrões. Bial, correspondente internacional e de guerra, conta que, por exemplo, foi “escalado” para cobrir o Rock in Rio II em plena Guerra do Golfo (a primeira, em 1991). Óbvio que detestou. Óbvio que não fez um bom trabalho. Mas jogou a culpa na Globo: atenção, ele não queria ir para lá; estavam subaproveitando o “recurso”. Existe certamente um falso Pedro Bial nessa história. Resta saber qual é. Mais provável que o Pedro Bial literato (embora, como repórter, há anos, tenha impressionado Paulo Francis). Não existe convivência possível entre literatura e televisão. Entre a “vida inteligente” que ainda resta e o espetáculo triste dos “novos ídolos” da telinha. Pedro Bial não vai agüentar muito tempo: ou desiste de ser intelectual, ou desiste de ser burro. Pelo que temos visto no Brasil, é mais provável que opte pela primeira opção. Ele até fala alguns palavrões e passa por “bad boy” na revista, visando impressionar a rapaziada da “Trip”. Mas a nós não engana: se continuar com essa dieta de “Fantástico” e “BBB”, vai acabar com o mesmo Q.I. de Maurício Kubrusly e Glória Maria. Seus companheiros, aliás, de Rock in Rio. [Comente esta Nota]
>>> Vocês querem Pedro Biaaaaaaal?
 



Música >>> O meu borogodó
O samba-rock passou por um “revival” mas, de repente, se aquietou de novo. Foi por iniciativa do Trio Mocotó, os auto-intitulados inventores do gênero, pela programação de alguns DJs em casas noturnas de São Paulo, pela revalorização de Jorge Ben (com ou sem “Jor”), e até pelo advento do “mundo Trama” (vide os herdeiros de Wilson Simonal). No entanto, houve alguém muito discreto que não foi contemplado nessa história: João Suplicy, o “low-profile” por natureza, dentro de uma família que tem a prefeita de São Paulo (hoje, vice-presidente do PT), um senador da República e um roqueiro vencedor da “Casa dos Artistas” (também conhecido como Supla). Se João tivesse vocação para aparecer, já seria difícil competir. Seu negócio é música, e palco (não que o de “outras pessoas” também não seja, mas o dele é mais). Tem já dois CDs lançados: “Musiqueiro” (1998) e “Cafezinho” (2002). Estão à venda no seu site (joaosuplicy.com.br), e reza a lenda que João fazia o circuito de bares da Vila Madalena, de mesa em mesa, com os compact discs embaixo do braço. Como um artista anônimo. Só por isso deveríamos respeitá-lo. Mas há mais: ele é compositor, e dos bons. Na última quarta-feira, apresentou o videoclipe de “Chomingando” para a platéia do Grazie a Dio (lógico que na “Vila”) e, logo em seguida, emendou um show ao vivo. Como guitarrista, aprendeu a batida do autor de “Mas, que nada!” e, acompanhado por uma banda enxuta (bateria, baixo e trombone), incorporou o samba-rock como ninguém em sua geração. Bastava ouvir as suas versões para “Your song” (de Elton John), “Mesmo que seja eu” (de Erasmo Carlos) e “Kiss me quick” (um sucesso na voz de Elvis). E, das suas, a faixa título do primeiro álbum (“Musiqueiro”), além de “Pura elegância”, o hit “No futuro”, “Você inteira” e “Borogodó” (todas de “Cafezinho”). O intimismo era flagrante e, por um arranjo do destino, podia-se cair numa mesa com Alice Ruiz, Patrícia Palumbo ou Guga Stroeter (estavam todos na lista). Mas João não parecia se importar, nem mesmo com a tietagem. Nasceu músico de verdade. [Comente esta Nota]
>>> Musiqueiro | Cafezinho | João Suplicy, às quartas-feiras de abril e maio (com exceção do dia 30/4), no Grazie a Dio
 



Cinema >>> Agora, eu era herói
Babenco não esperava, mas “Carandiru” bateu o recorde de bilheteria logo no primeiro fim de semana. E o que isso significa? Provavelmente uma curiosidade enorme pelo filme e, não podemos negar, uma “campanha” bem estruturada. É, no fundo, o que salva e o que condena a produção. Salva porque a faz viável, e legitima suas reivindicações junto à sociedade. Afinal, o longa merece ser visto pelo maior número de pessoas. Mas a inserção de “Carandiru” na lógica de mercado o condena porque, ao se transformar em produto, perde o seu grande diferencial: o choque de realidade. Assim, o espectador já se senta na cadeira sabendo que vai assistir a uma superprodução, que vendeu milhares (daqui a pouco, milhões) de ingressos, relaxa e não acredita mais em nada. O aspecto bem cuidado (por exemplo, na fotografia de Walter Carvalho) reforça essa tese. O maior presídio da América Latina (como estão repetindo a torto e a direito), de repente, se revela colorido, engraçado e até alegre. O massacre, então, converte-se em videoclipe, e em efeito cinematográfico de filme de ação hollywoodiano. Só para não ter um final feliz (uma vez que poderia: com presos tão simpáticos, tão sábios e tão “cheios de vida”). A humanização da figura do marginal (em realidade, o objetivo maior desde o livro) ultrapassa o limite do aceitável e transforma as personagens em caricatura, de um grande conto de fadas. É natural: o Brasil não absorveria o Carandiru (a casa de detenção) em toda a sua crueza, e a opção (involuntária?) de Babenco foi embalá-lo para presente. Os inquilinos do Pavilhão 9 foram finalmente admitidos em nosso círculo, como os idealizadores queriam, e em breve, com o DVD, também em nossa casa. Não é raro escutar, de alguém que acabou de sair da sessão, que faltou “realidade”. Afinal de contas, como competir, digamos, com o noticiário sensacionalista da televisão, que, outro dia, mostrou via satélite o suicídio do policial; há meses, a reconstituição do crime da garota que matou os pais; e que já rendeu um longa, por ocasião do seqüestro que terminou em morte, no Rio, o tal “Ônibus 147”. Babenco, por mais bem intencionado que esteja, chega atrasado. Ao contrário de Drauzio Varella, que com o seu “Estação Carandiru” (1999) chegou na hora certa. Nada contra a fita em si, que é imperdível, mas que, infelizmente, não vai conseguir escapar desse estigma. [Comente esta Nota]
>>> Carandiru
 
>>> MAU HUMOR

“Hoje em dia, estão fazendo coisas no cinema que eu não faria nem na cama – se pudesse.” (Groucho Marx)

* do livro Mau humor: uma antologia definitiva de frases venenosas, com tradução e organização de Ruy Castro (autorizado)

>>> AVISO AOS NAVEGANTES

O site do Digestivo Cultural passou por problemas técnicos, na última semana, e alguns Leitores acabaram não recebendo o "Digestivo nº 129". A esses, o Editor pede desculpas e indica este link, onde o mesmo boletim encontra-se disponível.
 
Julio Daio Borges
Editor
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