DIGESTIVOS
Terça-feira,
16/9/2003
Digestivo
nº 143
Julio
Daio Borges
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Internet
>>> Alô, alô, responde!
Pedro Doria previu no “no.” (o antecessor do “no mínimo”) que, no futuro, para cada e-mail válido receberíamos um correspondente em forma de “spam”. Sua previsão foi otimista, e não só se realizou antes do tempo como foi ultrapassada, “by far”, pela dura realidade. Hoje não existem estatísticas confiáveis sobre o assunto, mas é possível estimar algo entre 75% e 90% de e-mails inválidos para cada conjunto de mensagens coletadas. Principalmente para quem tem endereços “.com” ou então endereços eletrônicos por extenso em sites (o alvo preferencial dos chamados “spiders”). Agora, mais trágico do que esse quadro que se nos apresenta, têm sido as medidas tomadas para amenizar a situação. No Brasil, estabeleceu-se uma verdadeira corrida para ver quem descobre a solução final “anti-spam” – sendo que quem pena são os usuários. De uns tempos para cá, os que “baixam” suas mensagens via “Outlook Express” devem ter percebido a tarja que automaticamente se incorpora ao “subject”: “Alerta de spam”. Se o “alerta” fosse perfeito, seria prático e rápido “filtrar” os conteúdos apontados como “spam” – mas não é o que ocorre. O mecanismo é imperfeito e carimba com o “alerta” mensagens sem a menor relação com “spam” (às vezes, e-mails enviados pelo próprio usuário, e que retornam). Depois, alguns provedores mais arrojados inventaram o “e-mail protegido” ou o “e-mail anti-spam” ou coisa que o valha. Segundo a nova maravilha, só são recebidas mensagens de remetentes previamente identificados – o que produz resultados rocambolescos, quando não mal-entendidos seculares: – “Você não responde mais aos meus e-mails?”; “Eu, não! Como assim? Nem estou recebendo!”. Em algumas variantes, o provedor obriga o remetente a confirmar o envio através de um “link”, e de um código (que aparece na tela em forma gráfica). Nem precisa dizer que quem trabalha com múltiplos destinatários tem o seu expediente levemente tumultuado – quando não totalmente prejudicado (alguns provedores mais radicais inibem o uso do “Cc” [carbon copy], obrigando que se use o impessoal “Bcc” [blind carbon copy]). Em manobras dignas de um Exército de Brancaleone, quem paga o pato, como sempre, é o consumidor, que tem de driblar sozinho as trapalhadas. Enquanto as empresas de e-mail não fizerem, no dizer corporativo, seu “dever de casa”, perseguindo (elas) os “spammers”, continuaremos vivendo a era da comunicação eletrônica truncada. Sem perigo de melhorar.
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>>> Movimento Brasileiro de Combate ao Spam
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Música
>>> Rastros de compreensão
E a Trama, pouco a pouco, vai cumprindo a sua ambição de se tornar uma das maiores gravadoras de música brasileira de todos os tempos. A aposta numa “nova geração” da MPB, depois de três investidas em estúdio, finalmente vem rendendo frutos. E o resultado mais significativo é um CD que acaba de sair do forno: “Cesar Camargo Mariano e Pedro Mariano – piano & voz”. Esse trabalho é particularmente emblemático na trajetória da Trama por vários motivos. Primeiro, porque se revelou a tentativa mais bem sucedida até agora de “diálogo” entre pais e filhos. (Jair Rodrigues e Jair de Oliveira, por exemplo, já haviam tentado, em algumas faixas, sem sucesso.) Segundo, porque ilustra a migração da gravadora de uma sonoridade “suingada”, setentista, retrô, para uma contribuição efetiva na tal “linha evolutiva” da Música Popular Brasileira. O disco, na verdade, coroa o amadurecimento de Pedro Mariano como intérprete. Neste “Piano & voz”, pela própria natureza do projeto, Pedro abre mão dos maneirismos, de um exibicionismo quase virtuosístico – e soa inacreditavelmente econômico, para quem estava acostumado a vê-lo elevar o tom (ao competir com a banda) e estender as notas num desempenho quase muscular, em “Voz no ouvido” (2000) e “Intuição” (2002). Ao mesmo tempo, encontramos um Cesar Camargo Mariano no auge do domínio da técnica. Muito além das firulas do tecladista dos festivais da televisão, e do arranjador que, para alguns, não celebrizou exatamente a melhor fase de Elis Regina. São excepcionais as soluções encontradas para: “Deixar você” (uma balada de acento jazzístico); “Caso sério” (um tremendo bolero); “Tarzan, o filho do alfaiate” (quase um foxtrote); e “Se eu quiser falar com Deus” (um autêntico blues). Só alguém com conhecimento pleno desses gêneros poderia produzir tais efeitos. No aspecto composição, merecem inegável destaque as contribuições do mesmo Jair de Oliveira: “Papo de psicólogo” (um samba) e “Par Impar” (uma parceria entre o próprio e Cesar Camargo Mariano). E Pedro, por sua vez, dá o melhor de si nos momentos de introspecção: “Acaso” (na abertura) e “Dupla traição” (mais para o final). Ou seja: “Piano e voz” é “o” álbum; aquele em que praticamente nada se descarta; e que tem todo o potencial para deixar sua marca.
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>>> Piano & Voz - Cesar Camargo Mariano e Pedro Mariano
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Além do Mais
>>> L’Empereur
Os concertos de Beethoven passaram por São Paulo gerando alguma polêmica. Primeiro, foi a discussão incessante em torno do fato do “nº 1” para piano e orquestra não ser o “nº 1” e, sim, o “nº 2”. E vice-versa. Segundo os especialistas, já há uma evolução notável entre a primeira e a segunda realização de Beethoven no formato – publicadas em ordem invertida por uma questão de data. Na seqüência, desembarcou Rudolf Buchbinder, o solista que dividiria o palco com a Orquestra de Câmara de Zurique, afirmando que, ao contrário do que diz a crítica, não há qualquer influência perceptível de Mozart sobre o autor da Nona Sinfonia. Causou celeuma. Para ele, Beethoven é Beethoven desde o começo e é bobagem tentar enquadrá-lo como uma mera “ponte” entre o classicismo e o romantismo alemão. Tamanha coragem e intrepidez geraram dúvida: – Buchbinder, exímio intérprete do compositor de Bonn, sabia do que estava falando? Ou não passava tudo de uma bravata de ocasião? Certo ou não, controverso ou não, Buchbinder calou a boca de seus contendores, ao executar o ciclo completo para piano e orquestra de Ludwig van Beethoven, na Sala São Paulo, pela Temporada do Mozarteum Brasileiro. Durante o “nº 1” (ou originalmente o “nº 2”, para quem preferir), a orquestra pareceu abafada e pouco vigorosa, enquanto a vedete da noite se dividia entre a regência e as teclas pretas e brancas. Mas foi apenas uma falsa impressão: não demorou e Buchbinder já estava martelando o teclado com ferocidade, como convém a Beethoven, e a Zürcher Kammerorchester vinha logo atrás. A apoteose teve lugar, naturalmente, com o “nº 5”, o “Imperador”, dedicado a Napoleão. Nele, o pianista e seu “entourage” souberam soar poderosos, no primeiro movimento, e delicados, no segundo, como manda o figurino; fechando o terceiro, com o cromatismo e a alegria necessários e característicos. Impossível não contrariar as opiniões do astro: claro que há Mozart no “nº 1”; e lógico: do “nº 5”, brotaram todos os outros compositores. Mas Buchbinder está perdoado. Mesmo do bis, que relutante não quis conceder de nenhuma forma.
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>>> Mozarteum Brasileiro
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Gastronomia
>>> Gott in Frankreich
Mort Rosenblum é provavelmente um dos maiores jornalistas gastronômicos em atividade atualmente. Seu livro, “Um ganso em Toulouse”, pela Rocco, praticamente não teve divulgação no Brasil, dentro das editorias a que corresponde. Talvez porque o brasileiro não tenha o hábito de ler longamente sobre comida, preferindo simplesmente a crítica impressionista, com foto do prato e, se possível, estrelinhas (ou, melhor ainda, cifrões). Aqui, claro, a coisa não atingiu o “estado da arte” de se converter em cultura – como no caso da França, objeto da análise de Rosenblum. O país permitiu a esse correspondente da Associated Press tecer longos relatos (ou, mais precisamente, reportagens) sobre a incomparável produção francesa de comes e bebes. Ele esquadrinhou cada região (dedicando a cada uma um capítulo), de acordo com a temática e a geografia. Rosenblum vai do lugar-comum de assuntos como “queijos” e “vinhos” até a complexidade do que chama “la France profonde”. Os termos em francês são constantes (posto que inevitáveis) e esse aspecto talvez desencoraje o bravo leitor não-familiarizado. Mas a abordagem não é técnica e o autor aposta na curiosidade que pode haver por trás de uma criação de escargots, de uma caça às trufas (através de uma vara de porcos treinada) e de perseguição a veados, floresta adentro, como na Idade Média. Afinal, na terra de Napoleão, a História há muito se confunde com o que se bebe e se come – como, aliás, afirma a epígrafe de Brillat-Savarin: “O destino das nações depende de como se alimentam”. Na França, mais do que em qualquer lugar. Ao mesmo tempo, Rosenblum não é reverente e põe em dúvida, ao longo do livro, a vitimização de uma cozinha que se vê invadida pelos ditames do “fast-food” e da globalização. Ele coleta pontos de vista os mais diversos: ora os de um “chef” que enxerga no McDonald’s (“McDô”, para os íntimos) a imagem do apocalipse; ora os de outro que vê nos “barbarismos” um despertar dos franceses para um de seus legados mais ricos. Entra igualmente na polêmica do Guia Michelin (que tradicionalmente confere notas aos estabelecimentos) e não deixa de cutucar a delicada questão “árabe”, que produz nos seus interlocutores sucessivos “pufs!” e “pafs!”. Mort Rosenblum é, acima de tudo, jornalista, e seu feito merece crédito na seara da gastronomia – ainda que exija, do leitor, a mesma paciência que os comensais, hoje em dia, não têm mais tido.
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>>> Um ganso em Toulouse - Mort Rosenblum - 376 págs. - Rocco
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>>> MAU HUMOR
“Os franceses não passam de alemães que aprenderam a cozinhar.” (Fran Lebowitz)
* do livro Mau humor: uma antologia definitiva de frases venenosas, com tradução e organização de Ruy Castro (autorizado)
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Julio Daio Borges
Editor
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necessariamente a opinião do site
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