DIGESTIVOS
Quarta-feira,
31/3/2004
Digestivo
nº 168
Julio
Daio Borges
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Imprensa
>>> Música de pancadaria
Existem dois Luís Antônio Giron. Um é o mais famoso. Aquele que, no “Estadão” e na “Folha”, escrachou com mais da metade da MPB, numa época em que a mesma perdia terreno para o rock brasileiro e para uma miríade de outros ritmos fabricados pelas grandes gravadoras. Esse Luís Antônio Giron mereceu menção (depreciativa) de Djavan, em sua longa entrevista à “Playboy”; quase matou Rita Lee do coração ao reduzi-la, uma vez, a pó no “Caderno2”; era o terror das multinacionais do disco e – diz-se – teve sua cabeça cortada na “Folha de S. Paulo” a pedido de Caetano Veloso. Marcou época esse Luís Antônio Giron – encabeçando provavelmente a última geração de críticos intrépidos e destemidos de música no Brasil. O segundo Luís Antônio Giron veio logo depois. Na “Gazeta Mercantil”, onde exercitou sua faceta de repórter, pesquisador e musicólogo. Já havia incendiado meio mundo, agora encarnava o “bombeiro” – escarafunchando os arquivos da Biblioteca Nacional; arrancando declarações da última guardiã do legado do Padre José Maurício; entrevistando Aurora Miranda (a irmã esquecida de Carmen); trazendo à luz o acervo da Casa Edison (quando ele, ainda, era inédito e não era, portanto, assunto). Marcou também época esse Luís Antônio Giron – mas não foi compreendido por quem, magoado, não quis esquecer o primeiro. É a esse segundo que devemos “Minoridade Crítica” – a tese de mestrado da USP que, há poucas semanas, virou livro, com direito a lançamento na Livraria Cultura. Giron é hoje o editor de cultura da revista “Época”. Não toca fogo no Brasil como antes; em compensação, embarca num doutorado (igualmente na ECA), cujo objeto de análise será a obra de Gonçalves Dias. Em “Minoridade”, o Giron da segunda fase ambiciosamente resgata os primórdios da crítica musical tupiniquim – cuja origem remonta aos folhetins e que teve, em suas fileiras, penas como as de José de Alencar, Martins Pena e Machado de Assis. O título, antes de ser autobiográfico, evoca a minoridade de D. Pedro II – quando uma imprensa mais livre pode testemunhar o que se ensaiava em matéria de música na ex-colônia. Giron foi até a Áustria atrás de fontes primárias e desenterrou um tesouro – que não é o barroco – em Minas Gerais. Como os partidos das cantoras de ópera (que retrata), a torcida pode se dividir entre o primeiro e o segundo Luís Antônio Giron. Mas quem ganha, no final das contas, somos nós – os melômanos.
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>>> Minoridade Crítica - Luís Antônio Giron - 416 págs. - Ediouro
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Música
>>> Acordo sete horas, pego o ônibus lotado
Kid Vinil era o dono do mundo quando cantava “Sou Boy”. Mais ainda quando levou uma bolada para fazer a versão, publicitária, da trilha que lançava o novo “utilitário” da Chevrolet: “Sou Chevy / Chevy / Chevy 500...”. De lá para cá, viu sua banda, o Magazine, ser soterrada por outros modismos, e acabou enveredando para o caminho do “behind the scenes” (embora explique que tenha sido esse, na verdade, o seu começo). O fato é que passou por gravadoras (como a Eldorado e a Trama) e nunca abandonou o rádio (“essa cachaça...”). Kid Vinil pode, hoje, ser encontrado à frente da Brasil 2000 FM (107,3 MHz) – que passou por uma reformulação (comandada por ele) e que ameaça se reerguer através do slogan “Descubra o diferente”. O que é o “diferente” no caso? Uma programação completamente aleatória de rock, onde a chance de você ouvir alguma coisa conhecida (ou a mesma música duas vezes) é quase nula. Que mérito há nisso? Segundo Vinil, a chance de se mostrar um universo muito mais amplo do que fazem crer as chamadas “rádios rock”. Então basta sintonizar a Brasil 2000 e topar com novidades alienígenas como Darkness; com sucessos-que-não-foram como “I’m sorry”, do Ultrage a Rigor; com sucessos-que-foram-mas-que-não-são-mais como “Glory Days”, de Bruce Springsteen; e com velharias (datadas), cheirando a naftalina, como Picassos Falsos. É certo que a 89 FM (a primeira “rádio rock”) sentiu-se ameaçada pelo surgimento da Kiss FM (a segunda “rádio rock”; dita “classic rock”). Tanto que injetou em sua programação normal velhos hits que reservava para atrações específicas. Agora, parece que as duas (a 89 e a Kiss) vão sentir o impacto da “nova” Brasil 2000 FM. Se depender do boca-a-boca roqueiro (dizem que ele funciona), Kid Vinil, que apresenta o “happy hour” às seis da tarde, pode voltar a seus “dias de glória”. Ele faz piada dizendo que o Magazine virou “cult” (o mesmo que antes era acusado de “comercial”). Vai rir à vontade quando a Brasil 2000 sair do “traço” no Ibope; e não vai demorar.
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>>> Rádio Brasil 2000
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Cinema
>>> Pai, perdoai-os; eles não sabem o que fazem
Se o século XX foi da política, o século XXI aparentemente será – como tantos outros foram – da religião. Quando se pensa nos anos 2000, a primeira referência que vem à mente são os atentados ao World Trade Center e a inconseqüente “guerra santa” travada entre Oriente e Ocidente de várias formas (o conflito no Iraque e as recentes retaliações em Madri, por exemplo). O “choque de civilizações”, de Samuel Huntington, já é um fato. Nesse contexto se insere, portanto, “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson. Afinal, não se trata de um filme inocente: o seu diretor sabe muito bem onde quer chegar. “A Paixão”, primeiramente, se encaixa na pregação (de “combate aos infiéis”) do governo Bush, que não mencionou as “Cruzadas” à toa (na época em que proclamou sua “guerra ao Terror”). No longa, a mensagem é clara: quem estiver do lado do “bem”, vai se salvar; quem estiver do lado do “mal”, vai sucumbir sob chuvas e trovoadas, e sob os escombros (como aconteceu, em tela grande, ao tempo de Caifás). Em segundo lugar, o anti-semitismo é flagrante na fita (basta dizer que Jesus é preso, julgado e condenado, de acordo com Gibson, pelos judeus – e não pelos romanos). Nesse sentido, a resposta dos Estados Unidos ao “fundamentalismo islâmico” parece ser o “cristianismo ortodoxo”, que pede a volta da missa em latim e que ainda reza, durante a mesma missa, pela “conversão” dos judeus (hereges). Se isso não foi uma mensagem subliminar incitando à “jihad” ocidental, o que será? O flagelo humano está em moda no cinema (vide a onda de “realidade” que atinge até o Brasil), e Mel Gibson soube explorar, com precisão cirúrgica, a degradação física a que o filho de Deus foi submetido. Numa época de culto ao corpo, não poderia haver apelo mais forte. Resumindo: vamos mostrar quem são nossos “amigos” e quem são nossos “inimigos”, usando um argumento que é muito caro ao materialista contemporâneo: atacando a última morada do espírito, o corpo. O pior de toda essa história é que Jesus pregou a paz e – eu sei que está fora de mora – o amor. Se as intenções de Gibson são as de alimentar um confronto de proporções planetárias, ninguém foi tão infeliz na compreensão dos ensinamentos de Cristo.
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>>> The Passion of The Christ
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>>> O CONSELHEIRO TAMBÉM FAZ PALESTRA
Data: 30/03/04 (Terça-feira)
Horário: 19h30
Local: Universidade Anhembi Morumbi - Unidade 1
(R. Casa do Ator, nº 90 - Vila Olímpia - Tel.: 11 3847-3008)
Editor de publicação on-line especializada em cultura palestra para alunos de jornalismo
Os alunos de jornalismo das disciplinas Jornalismo Cultural e Planejamento Editorial Jornalístico, ministradas pelos professores Fabio Silvestre Cardoso e Fábia Dejavite, assistem palestra com Julio Daio Borges, no dia 30, no auditório da Unidade 1 (R. Casa do Ator, nº 90 - Vila Olímpia - Tel.: 11 3847-3008). Julio é Editor do site Digestivo Cultural, veículo que há quatro anos ganha espaço na internet, mídia impressa e televisão. Mereceu, recentemente, menção no livro de Daniel Piza, Jornalismo Cultural, e no programa Manhattan Connection, do canal pago GNT. O palestrante falará sobre Jornalismo Cultural na internet e também sobre como concebeu o site Digestivo Cultural, sua estrutura desde o início até o modelo atual.
[Pulbicado no site da Universidade Anhembi Morumbi no dia 26/3/2004.]
>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO*** RECOMENDA
(CN - Conjunto Nacional; VL - Shopping Villa-Lobos)
>>> Noites de Autógrafos
* Uma pequena biblioteca particular - Erico J. Siriuba Stickel
(2ª f., 29/3, 18h30, CN)
* Dez Mulheres - Miguel Reale Jr.
(3ª f., 30/3, 18h30, CN)
* Dia seguinte e outros dias de Oswald de Andrade Filho (Nonê) - Timo de Andrade e Maria Eugenia Boaventura
(4ª f., 31/3, 18h30, CN)
* Se essa rua fosse minha - Cacilda Affonso Ferreira
(5ª f., 1º/4, 19hrs., CN)
>>> Exposições
* Antonio Spinosa
(de 1º a 16/4/2004, CN)
>>> Shows
* Música das Nações - Eduardo Janho-Abumrad e João Moreira Reis
(2ª f., 29/3, 20hrs., VL)
* Gershwin in Summertime - Traditional Jazz Band
(6ª f., 2/4, 20hrs., VL)
* Espaço Aberto - Cícero Gonçalves
(Dom., 4/4, 18hrs., VL)
** Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos: Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional: Av. Paulista, nº 2073
*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural
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Julio Daio Borges
Editor
* esta seção é livre, não refletindo
necessariamente a opinião do site
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
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26/3/2004
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16h14min
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Samuel Huntington, outrora mui justamente apelidado de Samuel "Mad Dog" Huntington, por suas teorias de guerreiro frio, errou de slogan. O que de fato existe é um "choque de incivilizações".
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27/3/2004
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14h07min
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Interessante o paralelo que faz do filme e as estratégias de Bush. (Porém, pareceria um tiro no próprio pé, já que os judeus de Israel contam com o apoio aberto dos EUA.) Mas ao contrário de "confrontos de proporções planetárias" estou vendo que na sua maioria, o filme tem agradado tanto católicos quanto evangélicos (fato raríssimo), e até mesmo radicais Pró-Israel como David Horowitz, que não viu anti-semitismo algum na fita de Gibson.
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