DIGESTIVOS
Quarta-feira,
30/6/2004
Digestivo
nº 181
Julio
Daio Borges
+ de 3100 Acessos
+ 1 Comentário(s)
|
Música
>>> Janelas abertas
Em entrevista ao Metrópolis (da TV Cultura), Zélia Duncan evocou a era dos artistas que se autoproduzem a era atual. E ela não poderia ficar de fora dessa história. Eu me transformo em outras, seu mais novo CD pela Duncan Discos e também pela Universal segue a receita dos álbuns em que o artista é o próprio produtor; e o diretor artístico; e o empresário... Algo como o escritor que edita os próprios livros; o pintor que é o próprio marchand; o ator que é a própria companhia de teatro. E qual o resultado, para a arte, se o artista de agora em diante concentra os meios e as etapas de produção nas suas próprias mãos? É ainda muito cedo para tirar quaisquer conclusões (precipitadas). De início, perde-se a mediação. Partindo para exemplos práticos: são os discos que ultrapassam as 20 faixas, como o de ZD, onde fica claro que eles funcionariam muito melhor se reduzissem o repertório pela metade (ou para pouco mais da metade). Neste caso específico, imperdíveis são Capitu (de Luiz Tatit) e Jura secreta (uma das maiores interpretações de La Duncan em todos os tempos), mas ninguém sentiria falta de, por exemplo, a faixa-título, Quem canta seus males espanta (de Itamar Assumpção). Outra conseqüência da onda de artístas-produtores é a falta de homogeneidade dos trabalhos, em que, aparentemente, tudo é válido. Zélia mesmo afirmou que a unidade por trás de Eu me transformo em outras passa apenas por ela e pela banda que a acompanha (muito afinada, por sinal). Não há nenhuma garantia de que Nova ilusão combine com Doce de coco, e de que Tô possa ser entoada ao lado de Meu rádio e meu mulato. Prevalece o andamento do choro (o bandolim é onipresente) e às vezes a cadência do blues (a salada se completa com gaita em Dream a little dream of me). Uma obra aberta? Quem sabe. Algum dia, porém, os artistas (ou o público) ainda vão sentir saudades do produtor, do editor, do empresário, do mediador afinal, essas figuras não existiram durante tanto tempo à toa.
[Comente esta Nota]
>>> Eu me transformo em outras - Zélia Duncan - Duncan Discos/Universal
|
|
|
Artes
>>> Libertinos Líricos
Quem hoje navega pela internet e acha que ela é a própria manifestação do inconsciente coletivo (ou da total ausência de superego) deve saber que quem começou com essa história de botar o bacalhau pra fora foi, nos Estados Unidos, entre outros, Robert Crumb. Crumb é o traço por trás de Fritz the Cat, Zap Comix e, atualmente, reeditado pela Conrad, Mr. Natural. Na bem-comportada sociedade dos EUA nos anos 50, ele e seu irmão (que enlouqueceu e se suicidou muito depois) colocaram suas idéias em ebulição. Crumb confessou seus desejos mais bárbaros (sexuais?) em histórias de machismo, até racismo, e subversão. Seus personagens copulam como coelhos (na era do sexo livre), masturbam-se a céu aberto, falam o que pensam não protelando quaisquer vontades; não guardando nenhum recalque. Era a liberação. E era a contracultura. Robert Crumb hoje mora na França (numa cidade de que não quer dar o nome) e saiu dos Estados Unidos justamente por se preocupar com a corrupção a que sua filha adolescente poderia estar exposta. Não é irônico? Reclamou das drogas e, aliviado, confessou que, na terra de Napoleão, o máximo que ela poderia encontrar para fumar seria haxixe. Faça o que eu digo, mas não o que eu faço (ou o que, um dia, eu disse para fazer). Já Mr. Natural é um velhinho sacana de barba, que mente compulsivamente sobre sua biografia, e que não consegue escapar do estigma de guru personificado pelo seu maior cliente, Flakey Foont. Natural conta lorotas sobre a nova era, para seduzir as moças desavisadas, e não se furta a explorar ingênuos e crianças a fim de obter sempre mais prazer. Uma visão, sem escrúpulos, do macho branco adulto? Pode ser. Felizmente, Crumb, um artista prolífico, é o retrato de uma época e julgá-lo sob as lentes do presente politicamente correto é uma total perda de tempo. Crumb lembra nossa adolescência de hormônios descontrolados. E só por isso já vale a pena.
[Comente esta Nota]
>>> Mr. Natural - Robert Crumb - 119 págs. - Conrad
|
|
|
Além do Mais
>>> Il Giustino
As pessoas falavam pelos corredores que o seu forte não era música barroca. E, realmente, Bach nos parece mais distante do que Mozart ou Beethoven. Mas não tão distante. A Cultura FM, por exemplo, tem programas inteiros dedicados ao gênero, e Marta Fonterrada, no seu Música em toda parte, deixa escapar um sorriso e um maldisfarçado gosto ao anunciar como sempre faz: E, agora, Bach.... Pois não foi diferente na Sala São Paulo, com a Venice Baroque Orchestra, sob a condução de Giuliano Carmignola, pelo Mozarteum Brasileiro. Houve um predomínio de Vivaldi aquele que se fez um dia duvidar se os germânicos eram mesmo os maiores em música (há, também, os italianos...). Carmignola teve, inclusive, seu momento Paganini, ao empunhar o violino em fúria e fazer a orquestrar parar, a fim de lhe dar passagem, durante os três concertos depois do intervalo. Quem precisava se convencer da importância do barroco, teve aí o seu instante de glória. A Sala silenciou. No bis, as tradicionais Quatro Estações (representadas por um movimento apenas), embora não fossem mais necessárias. Os Mestres Venezianos (além de Vivaldi: Albinoni, Tartini e Galuppi) tinham dado conta do espetáculo. E se a ascendência de Carmignola sobre o ensemble pudesse, de repente, parecer estranha ao interpretar uma época em que justamente por exemplo, na estatuária os artistas (como Aleijadinho) não assinavam seu nome, o livreto conseguiria deixar os ouvintes descansados: Eddynio Rossetto explicava, exato, que o próprio concerto e a forma solo enfatizaram precisamente os contrastes que fizeram do barroco quase sinônimo de conflito interminável. Assim, mesmo que a obra se impusesse sobre seu autor (apesar de Antonio fa presto, o Vivaldi), o virtuose, subitamente, despontaria desembocando, séculos depois, na era da interpretação quase pura, os anos 1900s, de maestros, instrumentistas e prima-donas. E se Bach tinha sido a estrela que despontara num céu encoberto, o barroco tinha inaugurado algumas das principais formas que nos chegaram.
[Comente esta Nota]
>>> Mozarteum Brasileiro
|
|
>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO RECOMENDA

>>> Palestras
* Consolo divino para o desamparo humano - Leonardo Boff
(4ª f., 30/6, 19h30, VL)
>>> Noites de Autógrafos
* Nômada - Rodrigo Garcia Lopes
(2ª f., 28/6, 18h30, CN)
* Carne crua - Ana Ferreira
(3ª f., 29/6, 18h30, CN)
* Dia dos Mortos - Marcelo Ferroni
(5ª f., 1º/7, 19hrs., VL)
* Maldição e Glória: a vida e o mundo do escritor Marcos Rey - Carlos Maranhão (Sáb, 3/7, 11hrs., CN)
>>> Exposições
* Andréa Anholeto
(de 1º a 15 de julho de 2004, CN)
>>> Shows
* Música das Nações - Trio Retrato Brasileiro
(2ª f., 28/6, 20hrs., VL)
* Blues in the night II - Traditional Jazz Band
(6ª f., 2/7, 20hrs., VL)
* Espaço Aberto - Péricles Cavalcanti
(Dom., 4/7, 18hrs., VL)
* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural

>>> Circuito Erdinger & Kiss FM
Acontece nesta quarta-feira, dia 30/6, a partir das 21 hrs., no Galpão 695 (Avenida Luiz Villare, nº 695 - Santana - Tel.: 11 6281-6833), onde estará se apresentando a banda Rock Story.
* a Erdinger é parceira do Digestivo Cultural
|
|
Julio Daio Borges
Editor
* esta seção é livre, não refletindo
necessariamente a opinião do site
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
|
|
5/7/2004
|
|
|
13h10min
|
|
|
O disco "Eu me transformo em outras" - de Zélia Duncan - padece mesmo de direção mais apurada. Repertório, os autores, arranjos e músicos de primeira porém com resultado final beirando o banal tudo porque a interpretação de ZD é tão somente burocrática, não emociona, não decola, pelo contrário, a interpretação retira o brilho de peças que já se tornaram clássicas por outros intérpretes nem sempre melhores, mas certamente mais adequados. Outro aspecto negativo foi a conveniência mercadológica de gravar este disco quase todo de sambas enquanto o gênero é pauta de trilha sonora de novela, ou seja, quando o mercado está prontinho para consumir samba. Fácil viver assim.
|
|
|
|
|