DIGESTIVOS
Quarta-feira,
14/2/2001
Digestivo
nº 20
Julio
Daio Borges
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Além do Mais
>>> Blame it on Canada
Noventa e nove por cento dos brasileiros nunca pisou no Canadá (e nem vai pisar). Noventa e nove por cento dos brasileiros nunca conheceu um canadense (e nem vai conhecer). Agora (de uns dias pra cá), noventa e nove por cento dos brasileiros pretende praguejar contra o Canadá, esculachar os canadenses, avacalhar sua indústria e boicotar seus produtos. Isso é mass media. É assim que as guerras começam. Claro, foram contabilizados prejuízos, advindos das acusações, da maledicência, do bate-boca. Acontece que o episódio todo não permite que se conclua nada de definitivo sobre o Canadá, e nem sobre os canadenses. As opiniões, os pontos-de-vista, porém, circulam em ondas, prontos para o consumo. Como uma nova moda, como uma roupa recém-lançada, veste-se e desfila-se com o guarda-roupa que mais convém ao ideário nacional. (E ai de você se não se indignar.)
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>>> O Estado de S. Paulo
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Televisão
>>> Quatros Anos Esta Noite
O Manhattan Connection nunca mais foi mesmo sem Paulo Francis, morto em 1997. Em que pese o brilho de Nelson Motta, Caio Blinder e Lucas Mendes, houve sempre um esforço velado (ou, por outra, declarado) no sentido de compensar a perda da vedete do programa. Em princípio, através do rodízio de convidados notáveis. Em temporadas recentes, através das presenças de Lúcia Guimarães e de Arnaldo Jabor (uma promessa que rendeu crônicas à Folha e vinhetas à Globo). No último fim-de-semana, através das intervenções de Olavo de Carvalho, filósofo, colunista de Época e d'O Globo. Nenhum deles, contudo, soube entreter o espectador, monopolizar o jogo, resumir os pontos, desfolhar erudição, como Paulo Francis. Se tinham o dom do texto, tinham um raciocínio vacilante (diante das câmeras). Se tinham o dom da fala, tinham argumentação rala (de parcas e minguadas fontes). Se tinham o conhecimento, tinham as maneiras e as intenções do professor (não do cidadão do mundo).
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>>> Globosat
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Artes
>>> I have a dream
Está na galeria da FNAC, uma retrospectiva do fotógrafo Benedict J. Fernandez, sobre os últimos anos de Martin Luther King Jr. Cada registro do cultuado líder negro destaca o olhar penetrante de quem se sabia imbuído de uma missão. Com o tempo, suas mensagens, como todas as outras, perderam-se nos ruídos. Guarda-se uma certa intenção, uma certa convicção, uma certa ilusão. Dos seus sermões, dos seus discursos. Por isso, numa época de ícones, sobrevivem as imagens, não as palavras. Uma composição, um quadro fotográfico, resume a história num minuto, ou num segundo, que é a disponibilidade máxima de alguém hoje. Não sabemos quem foi Martin Luther King Jr, não sabemos o que ele pregou, mas ele está lá, no privilegiado escaninho da nossa memória.
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>>> FNAC - Av. Pedroso de Morais, 858 - 3º andar - Pinheiros
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Cinema
>>> La Belle du Jour
Mãe de família, esquecida num posto-de-serviço, na Itália, abandona os filhos e vai tirar férias em Veneza. Eis uma das idéias centrais de Pães e Tulipas, de Silvio Soldini. Dócil, inocente e simples, Rosalba vai morar com um garçom (suicida), e trabalhar na floricultura de um anarquista (aposentado). Seu marido (enlouquecido) encaminha um detetive dos mais improvisados, e o filme se desenrola em lirismo e em piadas suaves. Não é um clássico, mas retoma, com competência, o movimento da dona-de-casa que se rebela, e que desabrocha para o mundo, mais uma vez. Elogiável também o destaque que se dá à beleza de uma mulher de mais de 40 anos, em tempos de tanta plasticidade e da obsessão infantil pela juventude eterna.
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>>> Pane e Tulipani
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Literatura
>>> Sempre procurei a harmonia
A nata da família Jobim (Paulo, Elizabeth, Ana Lontra, Antonio Carlos) reuniu-se para editar as quase 250 mais importantes partituras do maestro, cujo sonho era transcrever toda sua obra, à maneira de Chopin e Beethoven. Um projeto que consumiu as últimas décadas de vida do compositor, desde 1970, finalmente está disponível para músicos e aficionados. Além das peças, o leitor ainda conta com uma retrospectiva completa, do primeiro ao último disco, pautada no texto primoroso de Sérgio Augusto, e nos papéis e documentos reproduzidos em qualidade excepcional, exemplarmente conservados pela família. No prefácio, Lorenzo Mammi contrapõe o jazz à bossa-nova, classificando Antonio Carlos Jobim como um partidário do desenvolvimento e não da variação. Na contramão do improviso melódico e rítmico, Jobim preferiu reinventar-se em harmonias e métricas. Como o Brasil, ele não é para principiantes.
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>>> Cancioneiro Jobim - 446 págs. - Casa da Palavra
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>>> MINHA PÁTRIA É MINHA LÍNGUA
"Me vê uma fritas média."
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Julio Daio Borges
Editor
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