DIGESTIVOS
Quarta-feira,
8/12/2004
Digestivo
nº 204
Julio
Daio Borges
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Imprensa
>>> Tudo é tudo e nada é nada
O que aconteceu com o mercado editorial brasileiro? De frente para a banca de revistas, cada vez menos coisa parece comprável. Muito pouco merece um minuto de consideração. Quase nada vale o preço de capa. Informação. Continua cada vez mais abundante, e de graça. Exemplo: o novo CD da maior banda de rock do planeta não pode ser “baixado” e/ou pirateado? Pois está disponível, inteiro, no site do semanário inglês New Music Express. Depois de uma primeira audição, desanimadora, quantos mais ainda vão comprar (o original)? 50%, 25%, 10%? Jornalismo. Ninguém faz mais. Jornalismo de celebridades? Jornalismo de “as melhores compras”? Jornalismo de revista de marca? Mil perdões (aos envolvidos) mas isso não é jornalismo. O jornalismo de verdade não está na mídia. O jornalismo de verdade, descomprometido, não tem patrocínio. O jornalismo parece extinto. Serviços. Ainda sobrevivem. Cada vez mais superficiais e específicos, a moda agora é bombardear os vestibulandos – com guias disso, guias daquilo. Muita gente acredita que a imprensa caminha para um misto entre a auto-ajuda e o utilitarismo. Mas não é essa a sua função. Para isso, existem médicos, enciclopédias (modo de falar) e até a internet. Ninguém vai pagar por um manual. Leitores. Estão em toda parte e em nenhum lugar. Todo mundo é potencial leitor de tudo hoje em dia, mas as estatísticas, as pesquisas, as sondagens não tem cara. Ninguém sabe quem está por trás daqueles números... O mercado editorial brasileiro. Se continuar do jeito que está, vai se deteriorar. Os jornais, talvez, consigam sobrar. E os semanários. (Alguém sempre vai assinar algum.) Agora, os títulos de variedades... Se forem encontrados no meio da banca de jornal, não conseguirão – como aquelas capas – comunicar nada. Se forem comprados, de tão superficiais, vão frustrar. Se forem sustentados – artificialmente, é óbvio –, vão resistir até o boom passar. Depois, tchau. Ou será que eles pensam que conseguem enganar todo mundo o tempo todo?
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>>> New Music Express
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Música
>>> História de uma gata
Embora estejamos todos nos anos 2000, Vanessa da Mata é uma estrela típica da indústria fonográfica do final do século XX: preocupada com uma produção impecável, combinada com um marketing avassalador; excessivamente ocupada com a própria imagem, estudando cada aparição, cada gesto, cada fala...; tutorada por grandes nomes da realização artística contemporânea (ontem, Nelson Motta; hoje, Liminha). Todas as apostas então apontam no sentido de transformar a mato-grossense numa nova Marisa Monte. Esse quadro e essa desconfiança já seriam suficientes para descartá-la como artista – a não ser por um simples motivo: ela, ainda que fria e “montada”, é talentosa. E a prova está em seu novo álbum de estúdio: Essa boneca tem manual. Logo na segunda faixa, ela mostra que é boa intérprete, na correta gravação de “Eu sou neguinha?” (de Caetano). E logo na quinta faixa, a que dá título ao disco, ela mostra que pode ser igualmente boa compositora. A atual guinada mais pop, e menos MPB, nesse CD talvez soe mais como uma estratégia mercadológica para fazê-la emplacar, mas, no seu caso, caiu como uma luva. A diluição dos violões e da percussão provavelmente não seja mesmo tão condenável, e uma menor pretensão, musical, naturalmente casa com alguém que se assume, assim, tão... comercial. Essa boneca tem manual promove uma sessão de audição lúdica, prazerosa – sem querer reinventar o “cancioneiro” ou os ritmos brasileiros. Vanessa, mesmo que quisesse, não teria maturidade para tal – ela é nova –, mas a aceitação desse fato já a torna simpática, aos olhos (e ouvidos) daqueles que andam cansados das eternas gerações de “cantoras” nacionais... Se ela vai acabar, futuramente, em “tribalismo” infantil ou num autismo destrutivo (de quem perdeu o fio da meada em matéria de repertório) não há como adivinhar. Se ela vai “evoluir” para novos desafios “adultos”, tampouco. O lado bom e o lado ruim de Essa boneca tem manual é que o CD não permite extrapolações espaço-temporais – algo que pode torná-lo um álbum sábio, porém, ao mesmo tempo, tolo.
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>>> Vanessa da Mata: Site | Entrevista
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Cinema
>>> Lonely ranger
No material de divulgação enviado à imprensa, salta aos olhos que a maior preocupação de David Mamet, ao conceber Spartan, tenha sido conferir o máximo realismo às rotinas de preparação e de trabalho dos homens e mulheres envolvidos no serviço secreto norte-americano. Antes de começar o filme, a impressão que se tem é a de que vamos estar diante de grandes revelações. E, de fato, as exigências parecem maiores do que aquelas do exército comum (pelo menos, em tela grande) e os procedimentos, para além do lícito, dão a ilusão de que, por exemplo, a CIA e o FBI têm poderes de vida e de morte sobre qualquer pessoa (mesmo que ela seja, vá lá, o presidente dos Estados Unidos). Ao sair, porém, ficamos nos perguntando se o longa não quis parecer gratuitamente agressivo apenas pela necessidade quase natural que temos de procurar mais e mais violência em widescreen (caso contrário, o filme nem mereceria registro). É um ciclo vicioso e, embora Spartan se prenda a essa obrigatoriedade, digamos, espartana, acaba tendo também outras qualidades. Uma delas é ressuscitar Val Kilmer que, de acordo com a última notícia que tivemos, andava isolado numa fazenda cuidando da família. (Lembremos que ele foi particularmente importante, nos anos 90, por reencarnar Jim Morrison e por encarar subseqüentes bobagens interessantes como o remake de Tombstone (1993) – em que, tuberculoso, gastava até seu latim invulgar.) Kilmer, para Mamet, é um “soldado” incumbido de descobrir o paradeiro da filha de um senador poderoso (pós-eleição). A garota, uma desajustada total, entra para uma rede de prostituição e acaba despachada para os Emirados Árabes. O Governo Americano, para evitar complicações na vida do senador, inventa que a menina se afogou em alto mar no barco de um professor – e o país descansa em paz. Kilmer, obviamente instado, não aceita essa versão dos fatos e passa a investigar por conta própria. Mamet parece querer concluir, de forma niilista – como tantos outros diretores que chafurdaram nos arquivos “oficiais” –, que todas as tentativas individuais de reverter o curso da História são: ou muito arriscadas; ou um total desperdício. O filme termina com a mesma frieza com que começou: atirando a moral pela janela (pois só os “fracos”, hoje, podem ter algum tipo de escrúpulo). Bem, talvez não seja tão profundo quanto parece; e talvez preencha, apenas, a nossa ânsia por violência estilizada – mas continua sendo um David Mamet, e isso, em geral, basta.
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>>> Spartan | David Mamet (entrevista)
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** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
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Julio Daio Borges
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