DIGESTIVOS
Sexta-feira,
8/7/2005
Digestivo
nº 234
Julio
Daio Borges
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Literatura
>>> Maître à penser
Numa época em que as referências se acumulam e mais desorientam do que orientam, alguns raros autores nos servem de bússola. Entre eles, está, hoje, George Steiner. Um dos poucos com uma preocupação de dar um contexto às coisas, de conduzir a conversa ao longo da história, de mostrar de onde se veio e — mais do que para onde se vai — onde se está. Percorrer suas páginas é tomar a mão segura do mestre e se deixar levar. Algo que não existe mais. Aliás, trata disso seu novo livro pela editora Record. Lições dos Mestres explora, justamente, a relação mestre-discípulo — revelando como ela pode ser sofisticada, enriquecedora e plena em sutilezas que se perderam, por exemplo, na era do assédio sexual. Nesse pormenor, apenas para entrar num detalhe, Steiner acredita que nos isolamos na senda do politicamente correto. Reduzir, digamos, o relacionamento de Heidegger e Arendt a uma questão de sexual harassment é limitar demais as possibilidades. Afinal, como disse Colm Tóibín, qual a graça de ser professor (e de acumular mestrados e doutorados), se não se puder nem mais dormir com os estudantes? A verdade é que o comezinho não tem lugar na prosa de George Steiner. Ele não engrossa o coro populista de elevar, vá lá, a cultura popular à categoria de grande arte — porque, apesar do apelo irresistível, simplesmente o lowbrow nunca vai chegar lá. Por outro lado, Steiner tem uma das linguagens acadêmicas mais límpidas de que se tem notícia e pode-se lê-lo, sem prejuízo da compreensão, no trem, no metrô ou no ônibus. Ele é tão agradável falando dos Pré-Socráticos quanto da ligação entre Virgílio e Dante, quando de Kepler e Tycho Brahe. A sensação, ao percorrer cada capítulo de Lições dos Mestres é que nada mais importa; e a constatação, eterna, de como perdemos tempo com assuntos menores, quando existe um mundo maravilhoso de homens e idéias que o nosso tempo insiste em deixar para trás. A batalha de George Steiner não deve ser solitária, contudo; engrossar suas fileiras é um imperativo não apenas seu mas da civilização.
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>>> Lições dos Mestres - George Steiner - 240 págs - Record
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Música
>>> Meu trabalho é te traduzir
Dentro do quase boom de talentosos pianistas brasileiros, como Marcos Nimrichter e Leo Mitrulis, surge também Heloísa Fernandes com seu CD Fruto, pela gravadora Maritaca. A exemplo de seus habilidosos colegas de instrumento, Heloísa tem a abertura, antes praticamente inédita, para rechear o álbum de composições próprias, alternando uma ou outra interpretação de outro autor. No caso, “Rosa”, conhecidíssima, de Pixinguinha, e uma esplendorosa versão de “Trilhos Urbanos”, de Caetano Veloso. Talvez para nos lembrar que, antes de personalidade midiática (e “multimídia”), Caetano foi compositor, e dos bons. Por mais que seja injusto com a produção da própria Heloísa, “Trilhos Urbanos”, talvez por ser, exatamente, conhecida, nos oferece uma chave de interpretação, para seu trabalho, como poucas. Ela recria o tema de Caetano Veloso em crescendos e diminuendos, oscilando entre a pujança da “banda toda” (ainda que nesta faixa específica esteja apenas acompanhada do percussionista Ari Colares) e o minimalismo de execuções quase infantis (não é à toa que ela dedica o disco a seus filhos, “total inspiração” e “razão de vida”). Aliás, se vale aqui uma crítica – não para “Trilhos Urbanos” e, sim, para as demais– ela se coloca no sentido de que, a exemplo de Heloísa, os nossos instrumentistas, e principalmente os nossos instrumentistas-compositores, deveriam tentar recuperar a noção perdida de melodia, hoje meio escondida entre “climas” e “ambiências” sedutores, e até bonitos, mas restritos, precisamente, ao registro autoral. Mesmo tendo domínio completo de sua ferramenta, às vezes parece que nossos artífices são incapazes de legar uma frase, um – vá lá – refrão, uma – pecado! – canção. É provável que isso guarde relação com a hoje quase extinta forma-canção... (mas fica pra outra tertúlia). Louvamos, então, Heloísa e sua realização – tão grande e elogiável quanto a de seus predecessores (ou colegas, melhor dito) – mas gostaríamos que se tomasse a composição, novamente, como diálogo com o público. Coisa que os compositores populares, inclusive, compreenderam (e assimilaram), até demais. Como Caetano Veloso – melhor quando tímido do que quando espalhafatoso.
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>>> Fruto - Heloísa Fernandes - Maritaca
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Imprensa
>>> Menos fé e mais razão
Também para quem acha que só blogueiro da internet pode ser dândi, a revista da Argumento preparou uma edição com Antonio Callado na capa. Antes de começar, vale tentar chamar a atenção para a presença da livraria Argumento no Rio – algo, naturalmente, inapreensível para quem nunca foi lá, principalmente para leitores de outros estados. O charme que inspirou Manuel Carlos, entre outros (apesar da Globo), talvez não esteja 100% refletido nas páginas da revista – o que, por outro lado, justifica a atitude, digamos, “superior” de não fazer concessões e de não se pautar, at all, pelas publicações de agora. A revista Argumento, embora plena em bons momentos, insiste – talvez por convencimento, talvez por comedimento (quem sabe?) – em fechar-se numa cápsula. “Não é pra todo mundo? Azar de todo mundo”, a frase de Paulo Francis sobre Harold Pinter parece ecoar da primeira à quarta capa. Assim, entender a Argumento – e suas razões – pode ser um exercício de paciência, evidentemente, nada imediato. Mas compensador. Sempre uma rememoração do inconseqüente Jaguar e do até anacrônico Moacir Werneck de Castro; sempre uma crônica erudita ou um artigo mais livre de Ruy Castro e Sérgio Augusto; sempre um papo com um “correspondente internacional” (que, no número 9, pode ser Sílio Boccanera) e sempre um texto republicado que vale a pena (como, atualmente, um Baudelaire poderoso) – todos, em seções que nunca falham, já bastariam para justificar a Argumento e seus esforços (ou o do leitor imagético de hoje). Na presente edição, para entrar num tema contingente, como já se disse, desfilam os dândis: de Cole Porter a Oscar Wilde; de João do Rio a Beau Brummell – e por aí vai. O termo andava esquecido, ou, por outra, gasto, e o time da revista vem em nosso socorro para provar que dândi pode ser até uma coisa boa e não um janota perdido entre aparências e gostos do século passado (ou retrasado). Talvez o dandismo, no que ele tem de mais positivo, se aplique, também, à publicação da mais célebre livraria do Rio. Que ela permaneça nesse impulso, mas que ela, igualmente, busque se comunicar com as novas gerações – são os nossos votos.
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>>> Argumento
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>>> E O CONSELHEIRO TAMBÉM VAI À FLIP
Não perca, a qualquer momento (entre 6 e 10 de julho), um novo post de Julio Daio Borges, no Blog do Digestivo, sobre a Flip 2005.
>>> E O CONSELHEIRO TAMBÉM PUBLICA NO LEGENDÁRIO "CADERNO FIM DE SEMANA" DA GAZETA MERCANTIL
Na última edição do "Caderno Fim de Semana" da Gazeta Mercantil, confira um texto inédito de Julio Daio Borges sobre o filme (e a peça e o DVD) Dois Perdidos Numa Noite Suja, de Plínio Marcos.
>>> EVENTOS QUE O DIGESTIVO RECOMENDA
>>> Palestras
* O mal da literatura
Enrique Vila-Matas
(Qui., 14/7, 19h30, VL)
>>> Noites de Autógrafos
* Comédias
Jandira Martini e Marcos Caruso
(Seg., 11/7, 19hs., CN)
>>> Shows
* Duke Ellington II - Traditional Jazz Band
(Sex., 15/7, 20hs., VL)
* Espaço Aberto - Sociedade do Choro
(Dom., 17/7, 18hs., VL)
* Livraria Cultura Shopping Villa-Lobos (VL): Av. Nações Unidas, nº 4777
** Livraria Cultura Conjunto Nacional (CN): Av. Paulista, nº 2073
*** a Livraria Cultura é parceira do Digestivo Cultural
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Julio Daio Borges
Editor
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