DIGESTIVOS
Quarta-feira,
18/4/2001
Digestivo
nº 28
Julio
Daio Borges
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Literatura
>>> Ela me observava como quem olha para um quebra-cabeça
Rubem Fonseca regressa triunfalmente ao conto, em Secreções, excreções e desatinos, pela Companhia das Letras. Exercita-se, mais uma vez, em seu amor pelas mulheres, pela violência e pela escatologia. Do alto de seus 75 anos, é um dos poucos escritores brasileiros ainda na ativa. Ao contrário de seus colegas de geração e de ofício, não se entrincheirou em memórias, nem evadiu-se em jornalismo. Cultiva religiosamente a forma curta, em que é mestre (malgrado seus discípulos). Embora tenha se embrenhado pelos caminhos espinhosos de outros séculos e décadas, manteve-se insuperável no registro fiel de seu tempo e de seu país. É sempre um prazer mergulhar nos seus retratos, cheios de estilo e de humor fino. E é sempre um privilégio acompanhar as edições da obra desse que é, seguramente, um dos maiores autores da língua.
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>>> "Secreções, excreções e desatinos" - Rubem Fonseca
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Cinema
>>> You're not cool
Quase Famosos nada mais é que um painel idílico dos tumultuados Anos 70. Por isso é tão convincente e irresistível. A identificação do espectador (com o protagonista) é quase imediata. Difícil encontrar alguém que não tenha sido adolescente, rebelde e sonhador ao mesmo tempo. Cameron Crowe soube recriar essa atmosfera, cristalizada em sua lembrança, com muita delicadeza e encanto. Mesmo os detratores do gênero, entenderão como foi crescer e se formar sob os auspícios do Rock'n'Roll. A trilha sonora magicamente casa com as imagens, e embala a audiência numa turnê de amizade, jornalismo e desencontros amorosos. William Miller realiza o sonho de todo o fã: conviver, de igual para igual, com seu ídolo. (Nem que seja para descobrir que, aos trinta anos, ele pode ser mais irresponsável e imaturo do que alguém com metade da idade dele.) Enfim, Quase Famosos tem a propriedade de nos fazer lembrar como a vida pode ser doce.
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>>> Almost Famous
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Televisão
>>> The supposed need for explanation
Frederick Wiseman, o célebre documentarista de Boston, o mesmo que não acredita em obras que precisem ser esmiuçadas, foi sabatinado no Roda-Viva por cinéfilos, cineastas e entusiastas de cinema brasileiros. Admirado por sua abordagem seca e direta das instituições dos EUA, foi novamente instigado a desmascarar o Tio Sam. (É notável que personalidades de países periféricos, como o Brasil, ainda insistam em minar um dos maiores impérios de toda a História da Humanidade, com um simples peteleco.) Wiseman, reagindo à megalomania tupiniquim, afirmou que o desvelar dos Estados Unidos da América (como instituição planetária) estaria muito além de sua técnica. Exatamente por conhecer as entranhas daquele país, e por dominar como poucos, no mundo, a sua especialidade, é que Wiseman fez vista grossa.
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>>> Wiseman
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Artes
>>> Quero assassinar a pintura
A galeria de arte Portal está exibindo, e comercializando, um conjunto de litografias do consagrado artista catalão Joan Miró. Com estacionamento próprio (e gratuito), na rua Estados Unidos, proporciona uma hora de higiene mental, em meio à poluição visual e sonora da capital paulista. As criaturas espaciais, negras e ciclópicas de Miró podem ser adquiridas por preços que variam de 12 a 18 mil dólares (o que não é muito para um contemporâneo de Picasso, Dali, Buñuel e Lorca). Os temas oscilam entre as homenagens (a Guadí e Joan Pratz) e as representações de formas da natureza (pássaro, noite, estrela-do-mar). Os esclarecimentos ficam por conta de um texto apaixonado de Alberto Beuttenmüller que, junto à educação das pessoas que frequentam e compõem a galeria, sopram ventos de civilização.
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>>> Portal Galeria de Arte - R. Estados Unidos, 2.241 - Tel.: 3081-0339
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Além do Mais
>>> 20 anos de cultura no brasil
Está aberta a temporada 2001 do Mozarteum Brasileiro. Logo de saída com Sir Andrew Davis, a BBC Symphonic Orchestra, e Leif Ove Andsnes, o prodigioso pianista norueguês. Numa Sala São Paulo não tão lotada, na quarta-feira, chacoalharam os ouvintes, inicialmente, com uma nervosa execução do Don Juan, poema sinfônico de Richard Strauss. Era apenas o aquecimento. A apoteose viria com a performance atlética, passional e viril do Concerto nº1, para piano, de Sergei Rachmaninov. Após um intervalo, para repor as energias e reposicionar-se mais estrategicamente, voltaram com Benjamin Britten, e seus tempestuosos Quatro interludios do mar (da ópera Peter Grimes). Para o final, previa-se um Stravinsky, sempre moderno e exigente demais (considerando-se as altas horas), mas os músicos, num rasgo de generosidade, concederam ainda dois "bis" (para quem permaneceu de olhos abertos).
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>>> Sala São Paulo - Praça Júlio Prestes, s/nº - Tel.: 3337-5414
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>>> MINHA PÁTRIA É MINHA LÍNGUA
"Então, foi aí que o país começou a andar pra baixo."
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Julio Daio Borges
Editor
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