DIGESTIVOS
Quarta-feira,
13/6/2001
Digestivo
nº 36
Julio
Daio Borges
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Além do Mais
>>> Se você quer ser minha namorada
Mais um dia 12 de junho, mais uma penca de moçoilas chorosas à cata de um rapazola, que lhes ofereça flores e mimos, no Dia dos Namorados. Todos os anos, intriga que as mulheres "solteiras" sofram muito mais que os homens nessa mesma posição. Expondo-se, inclusive, em noticiosos. Talvez porque a sociedade lhes cobre, nessas datas, o que chamam de "sucesso no amor", representado, mui invariavelmente, pela figura do bom rapaz, do homem sério, do partidão. Já o marmanjo tem de ser "namorador", casar, nunca, jamais; ou, então, pouco. Lá na frente, quando os dois se encontrarem, a equação obviamente não vai fechar - e aí, voilà, problemas à vista. Modernosos de plantão costumam dizer que o mundo mudou, mas, a bem da verdade, é que, nesse aspecto, ele não mudou muito. A mulher continua esperando, que o homem venha, que lhe peça o telefone, que a convide para jantar, que oficialmente assuma o que há entre os dois. E o homem continua motivado pelo instinto (sobretudo num Brasil de mulheres pneumáticas e acaloradas). Falta à mulher perceber que o preço da passividade pode ser alto, ainda mais numa época volúvel, descartável e substituível, como a de agora. E falta ao homem perceber que a mulher tem um cérebro, que pensa e que, se não for intimidado, tem algo a dizer. Uma vez diminuido esse abismo, nem o comércio precisará de datas para celebrar o dia dos casais felizes. Pois, como na música da Rita Lee, todo dia será dia de índio.
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>>> Jornal da Tarde
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Literatura
>>> Máquinas complicadas para necessidades simples
Preparando o terreno para a comemoração do centenário do poeta, em 2002, a editora Record relança toda a obra de Carlos Drummond de Andrade. Em acabamento de bom gosto, com cores pastel e foto do autor na capa, pode-se redescobrir um marco, na Literatura Brasileira, como Alguma Poesia - primeiro livro do mineiro de Itabira, aos 28 anos de idade. Um volume fino e moderno, que atravessa décadas. Drummond cunhou uma certa melancolia à la Fernando Pessoa, que não tinha equivalentes no Brasil. Um jeito doce, desajeitado, de rir de si mesmo, de reconhecer-se frágil e impotente ("Meu Deus, por que me abandonaste / se sabias que eu não era Deus / se sabias que eu era fraco."). Na forma, Drummond celebrizou o verso branco, sem rima, e - novidade - sem metáfora ("Stop. / A vida parou / ou foi o automóvel?"). Sua poesia é a do observador urbano, do crítico de costumes, do defensor de uma identidade nacional ("Para mim, de todas as burrices, a maior é suspirar pela Europa"). E, claro, o protagonista tímido de amores ardentes, vendo pernas de moças em toda a parte ("E o amor sempre nessa toada: / briga perdoa perdoa briga. / Não se deve xingar a vida, / a gente vive, depois esquece."). Desde que Drummond morreu, o tal anjo torto não deu mais as caras, e ninguém mais foi gauche na vida ("Eta vida besta, meu Deus.").
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>>> "Alguma Poesia" - Carlos Drummond de Andrade - 156 págs. - Ed. Record
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Cinema
>>> Eu sempre trago o fracasso junto comigo
Infiel, filme de Liv Ullmann, com roteiro de Ingmar Bergman, não é aconselhável para pessoas sensíveis ou que andam vivendo complicações amorosas de qualquer gênero. Embora seja de uma beleza estética incomparável, com paisagens de sonho, e atores de grande presença cênica, o longa desfecha punhaladas suscessivas na moral do espectador, qualquer que seja ela. Estende a tortura ao limite do insuportável. Mentalmente a platéia pede para o que sofrimento acabe, mas ele só se agrava, nocauteando o público e deixando sua alma em frangalhos. Se as cenas ali vistas não imitassem, com tamanha fidelidade, a vida real, seria pertinente indagar: quais os desígnios de uma mente tão fria e calculista ao conceber horrores, atrocidades e crueldades desse porte? As pessoas levantam-se das cadeiras e caminham mudas, brancas, chocadas, até o carro. Não há o que falar. Pesadelos estão reservados para mais à noite, e uma enxaqueca, para de manhã. Claro que Infiel, essa montanha-russa de emoções, levando o coração à boca, exige concentração e atenção, como quase nenhuma projeção atual, em que diálogos são empostados e silêncios, abolidos, ou sufocados pela música. A civilidade dos suecos é tal, que eles põem abaixo catedrais de sentimentos apenas com murmúrios, gemidos e palavras sussuradas. A história não vale à pena ser contada, mas sim assistida. Envolve, obviamente, adultério e, posteriormente, divórcio. Talvez, depois de passado o trauma, a produção sirva de antídoto contra um desejo incipiente de se separar ou, simplesmente, de pular a cerca.
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>>> Infiel
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Artes
>>> O que há de mais novo e melhor em relação ao morar bem
Foi inaugurada, recentemente, a Casa Cor 2001, ou a XV Exibição Brasileira de Decoração. Neste ano, na mansão da Família Machline, no bairro Cidade Jardim. Para o público leigo, as tendências não parecem mudar muito: televisores, computadores e aparelhos de som em todo e qualquer ambiente, desde a garagem espalhafatosa de Brunete Fraccaroli até o banheiro boate de Maria Célia e J. Cury. Os achados ficam por conta dos detalhes, ou dos conceitos que se aplicam com inteligência, como, por exemplo, o quarto com motivos da cidade de São Paulo, assinado por Luiz Fernando Salgado Franco e Paulo Roberto Evangelista. Embora ainda se faça uso de cores berrantes, metais, espelhos e pisos polidos, no limite de ofuscar a vista, restam ambientes em tons moderados ou de branco, combinando paisagens e materiais adequados ao clima brasileiro, proporcionando leveza e harmonia a quem visita, como no caso dos jardins, salas e terraços de Roberto Riscala, Clarisse Reade e Debora Aguiar. As vedetes comparecem com estardalhaço ou com o desejo vivo de simplesmente inventar moda, como João Armentano, que deitou um Victor Brecheret, sob holofotes, como se a estátua tomasse sol. Ricardo Pinto, Marcelo Faisal e Gilberto Elkis terminaram beneficiados pelas alas já, originariamente, mais exuberantes da casa, os jardins, concebidos pelo paisagista Paulo Alemão, ainda em 1967. Mesmo que nada disso venha a agradar, o passeio compensa pela piscina oval e a vista privilegiada que esse espaço proporciona.
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>>> Casa Cor
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Televisão
>>> É proibido proibir
Segue a série Um Século de Romances, no GNT. No capítulo Liberdade Sexual, do Pós-Guerra a 1969, o programa varreu todas as ondas e todos os comportamentos, desde o surgimento das vamps até o advento da pílula. Houve um longínquo e recorrente 1968, em que se acreditou que a descoberta do "prazer", pelas massas, provocaria a revolução. Fez-se muito barulho, mas tudo em vão. O chamado "espírito contestatório" dos anos 60 foi, de fato, o mal do século. De lá para cá, pouco se criou, adotando-se, constantemente, uma postura reativa, ranheta, ranzinza. A arte empreendeu quase nada de grandioso, preferindo a fuga: seja através da desconstrução; seja através da fragmentação; seja através do hermetismo. Os jovens continuaram rabugentos, mas, como a repressão deixou de existir, tornaram-se rebeldes sem causa. (Hoje, eternamente paparicados pela publicidade e pelo consumismo.) O programa também explica que o mau-humor juvenil talvez se justifique pela evasão dos pais, desde os anos 70. A família se desagrega, e cada ente, em seu trabalho, constrói um novo mundo de relações, às vezes, extraconjugais. Moralistas acreditam que a Aids veio para conter essa permissividade do sexo furtivo. Como queria Freud, cada vez mais, amor e sexo se confundem, e a Humanidade paga pela confusão.
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>>> http://www.gnt.com.br
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>>> DIGA O SEU NOME E A CIDADE DE ONDE ESTÁ FALANDO
Renatinha, de São Paulo, nos classificados do Estadão de 12 de junho: "Gordinho, não existe amor ou amizade a primeira vista, o que existe é a pessoa certa, no lugar, e no momento certo. E você por acaso estava lá. Sua baixinha, Renatinha."
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Julio Daio Borges
Editor
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