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Quarta-feira, 11/7/2001
Digestivo nº 40
Julio Daio Borges
+ de 4100 Acessos




Além do Mais >>> Chega de verdade, viva alguns enganos
Impressionante como até os contestadores de outrora encontram o seu lugar ao sol, sob o generoso guarda-chuva do establishment. É o que atesta a bem-comportada entrevista (pseudo debate de idéias), entre dois rebeldes que, décadas depois, viraram grife: João Luiz Woerdenbag Filho, o Lobão, e Caetano Emanuel Vianna Telles Veloso, o Mano. Ambos se consideram geniais (e respondem afirmativamente quando isso lhes é pergutando), porém, o que há de mais brilhante no encontro desses cérebros da classe artística brasileira não é nem o que dizem e nem o que pensam, mas sim as fotos de Bob Wolfenson e o retumbante golpe de marketing da revista Trip, que ouviu a sugestão de seu diretor de criação, Rafic Farah, e que, baixando o preço de capa, vai bater seu recorde de vendas. Não adianta escapar, hoje tudo virou pose ou embalagem. Lamenta-se, enfim, que as inteligências criativas deste País terminem se aposentando como marionetes, a serviço do sensacionalismo barato, atendendo aos apelos de uma mídia voraz, que eles pretensamente combatem, mas que, no fundo, alimentam e usam para se promover, num cinismo de causar asco. Se é tudo show, sem conteúdo nenhum, apenas idéias repetidas (como num disco arranhado), qual a diferença entre se vender para a Trip ou se vender para a Caras? Tecnicamente, nenhuma. Os brasileiros precisam pôr abaixo certos estandartes do bom-mocismo e perceber que, por trás da atitude estudada, vendidos ou iconoclastas, são todos farinha do mesmo saco. [Comente esta Nota]
>>> Revista TRIP
 



Artes >>> Coisa mais bonita é você
Se Moacir Santos tivesse nascido nos Estados Unidos, provavelmente seria um maestro e arranjador da envergadura de um Duke Ellington, globalmente reconhecido e ovacionado. Para os brasileiros que ignoram seus heróis, ele ressurge com Ouro Negro, um projeto que registra suas "coisas" (composições), produzido e dirigido por Zé Nogueira e Mário Adnet, com as participações especiais de Milton Nascimento, Djavan, Ed Motta, Gilberto Gil, João Bosco, Joyce e João Donato, entre outros. Sem medo de errar, pode-se dizer que ninguém combinou sopros como ele, e que ninguém, no País, é capaz de um fraseado, a um só tempo, aveludado e incisivo, ainda mais no sax, instrumento cuja árvore genealógica pesa nos ombros de quem toca. Como os títulos de suas músicas, Moacir Santos não cabe em descrições, categorias ou estilos. Mesmo os grandes da MPB, quando unem-se a ele, no disco, têm flagrante dificuldade em se encaixar, pois a música ali contida, não é mais daqui, nem de lá, é um híbrido, com vida própria. Embora Ouro Negro seja conduzido com o pulso firme e a infalibilidade dos grandes álbuns de jazz norte-americano, transborda em ritmos latinos, em letras e vocalizações do bom e velho português. Ainda que reúna toda essa complexidade, e que se converta num mapa de como os sons do Brasil foram se desenvolvendo (desde a África), o CD, que é um marco, revela-se difícil de ser encontrado, vergonhosamente esquecido nas prateleiras mais periféricas. Quem quiser recuperar sua identidade perdida, porém, vai topar com ele, e com a recompensa que ele guarda. [Comente esta Nota]
>>> Clique Music
 



Literatura >>> Mais nos advinhamos do que nos entendemos
Dando continuidade à sua coleção Clássicos, a Martins Fontes lança no mercado A Arte de Conversar, uma coletânea de textos organizada por Alcir Pécora. A intenção é reunir uma amostra da tratadística francesa dos séculos XVII e XVIII, em que o tema central é a conversação. Para nações mais pragmáticas, como as do século XXI, um manual desse tipo surge como algo completamente dispensável. Pode ser. Descontados, porém, os excessos dos autores que pretendem estudar cada colocação e cada movimento, o volume traz momentos memoráveis, como, por exemplo, as intervenções de Jean-Baptiste Morban de Bellegarde, que se dedicou a anotar e explicar belas frases de efeito, como esta: "A vida da maior parte da sociedade é apenas uma comércio de cumprimentos e adulações." Ou, então, como esta: "Ele tem um mau humor capaz de envenenar todas as alegrias da sociedade." Não existe, em nenhuma parte do livro, qualquer inclinação sistemática ou científica, portanto, fica-se à mercê das observações inteligentes - às vezes originais, às vezes triviais - de quem escreve. Outra pena que se mostra bastante perspicaz nas suas reflexões é a do Abade Nicolas Trublet, que discorre com clareza e concisão, sobre literatura e moral, em Da Conversação. O encerramento fica por conta de André Morellet, a vedete anunciada na capa, que enumera os onze pecados capitais da conversa: a desatenção; a interrupção; a ansiedade; o egoísmo; o despotismo; o pedantismo; a descontinuidade; a galhofa; a contradição; a disputa; e os assuntos particulares. Os ouvidos, penhorados, agradecem. [Comente esta Nota]
>>> "A Arte de Conversar" - Morellet e outros - 170 págs. - Martins Fontes
 



Televisão >>> The West is the best
Cantava Jim Morrison, cuja morte foi há 30 anos, sem provavelmente conhecer a história de sangue, suor e lágrimas do Velho Oeste americano. Ken Burns, o mesmo documentarista da série Jazz, volta ao GNT com a saga que transformou os Estados Unidos em nação continental, dizimando tribos indígenas inteiras, correndo atrás da ilusão do ouro, eclodindo em guerra civil, exterminando manadas de búfalos das planícies, promovendo o maior empreendimento do século XIX: a estrada de ferro que cruzaria do Atlântico ao Pacífico. Embora Burns não seja tão minucioso (quanto o foi ao narrar o desenvolvimento da música negra americana), preferindo estruturar sua epopéia em torno de figuras-chave (e não ao redor de agentes que se inter-relacionam), ainda assim, consegue dar uma aula de edição, apresentação e direção. Sem quaisquer escrúpulos, retrata seus antepassados como desbravadores, selvagens, desvairados, que matavam a sangue-frio e que faziam suas próprias leis (não muito longe daqueles povos bárbaros que hoje os norte-americanos tentam civilizar). Ao mesmo tempo, não deixa de reconhecer o estigma do império que se anunciava: seja pela conquista e pelo povoamento de terras inexploradas; seja pela construção e pela manutenção de uma sociedade cujo mote era a liberdade; seja pelo Destino, puro e simples, que escolheu esse povo (e não outro) para trilhar os caminhos (e descaminhos) do planeta, pelos próximos séculos. [Comente esta Nota]
>>> http://www.gnt.com.br
 



Cinema >>> Paths of Glory
A HBO exibe, em três partes, o documentário Uma Vida Quadro a Quadro sobre um dos maiores diretores de cinema do século XX, Stanley Kubrick. A intenção da esposa e viúva, Christiane Kubrick, e do cunhado, Jan Harlan, é desfazer a imagem de excentricidade, misantropia e autoritarismo que paira sobre o célebre realizador. A reconstituição, desde os primeiros passos, ao lado da irmã, até a edição de sua última obra, De Olhos Bem Fechados, é narrada por Tom Cruise e conta com as participações de amigos, familiares e admiradores de Kubrick, dentre eles, Martin Scorsese, Woody Allen e Steven Spielberg. É, em suma, a história de um prodígio que, aos 16 anos, era fotográfo contratado da revista Look, e que, com menos de 30 anos, já havia dirigido Kirk Douglas, Laurence Olivier, Charles Laughton e Tony Curtis. Em meio a tantos depoimentos, impossível sintetizar a química que dá origem ao gênio. Uns apontam a fascinação de Kubrick pelo xadrez, de quem herdaria a extrema concentração e a capacidade de não se deixar abater emocionalmente. Outros apontam o excesso de auto-confiança, afinal, Kubrick financiou seu primeiro longa com o seguro de vida do próprio pai, passando a viver de míseros 30 dólares semanais (ao optar pelo cinema e pelo desemprego). Stanley Kubrick representa, no fundo, a ruptura da Sétima Arte com os grandes ideais da Humanidade, ideais que morreram junto às Guerras Mundiais, e que (moribundos) reduziram o ser humano à trinca sexo, violência e abuso de poder. Sua mensagem é de desilução, mas não há como resistir aos seus apelos. [Comente esta Nota]
>>> HBO
 
>>> DIGA O SEU NOME E A CIDADE DE ONDE ESTÁ FALANDO
José Bispo Clementino dos Santos, o Jamelão, de São Paulo: "Atualmente, qualquer um grava um CD. Chega no estúdio, grita au, au, au e vende 100 mil cópias. Os grandes artistas a gente não vê mais. Só as gostosonas é que têm vez."
 
Julio Daio Borges
Editor
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