Digestivo nº 326 >>>
Quem mexe com livros, com o tempo acaba se anestesiando na recepção e, cada vez mais raramente, se impressiona com a apresentação de um volume novo. Humberto Werneck, no entanto, editando diretamente seu Pequenos fantasmas, uma especialíssima coletânea de contos, consegue, justamente, a façanha de deslumbrar, tanto na forma quanto no conteúdo – com o perdão da rima – até o editor ou jornalista mais carrancudo. Humberto, como poucos escritores hoje, tinha uma relação tão visceral com seus primeiros contos de juventude (que, inéditos, o assombravam de quando em quando – daí o título fantasmagórico), que optou por publicá-los de forma artesanal, invertendo todas as expectativas que, em geral, cercam uma obra de estréia em ficção. Tudo bem, lá se vão quase quarenta anos, desde a produção da maioria dos textos, mas o controle de Humberto Werneck, na edição em papel, ainda assim é impressionante. Pequenos fantasmas não tem orelha, não tem também elogios habituais na quarta capa, apenas o nome do autor, o título e o nome da editora, na capa, e uma delicada ilustração, na contracapa. (Ah, as orelhas fisicamente existem, mas só para marcar as páginas durante a leitura.) A tiragem? Nada de três mil exemplares, mil ou quantos sejam os milhares: apenas quinhentos (500) exemplares numerados e rubricados pelo autor. A distribuição? Não está em livrarias, nem em sebos, nem na internet: o autor se deu ao luxo, como falou, de escolher, um a um, seus leitores. Marca o nome numa lista e envia para quem quer. Só. Como se não bastassem esses cuidados todos, o deslumbramento, com os contos, não é menor. Desde que Humberto parou com a ficção, o Brasil perdeu, em prosa poética, no mínimo outro Raduan Nassar. Felizmente sobraram ainda Pequenos fantasmas. E o livro, como objeto, reinventado.
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