Digestivo nº 329 >>>
Erza Pound, pensando em poetas, cunhou a expressão “antenas da raça”. Num mundo ideal, o poeta deveria expandir os limites da expressão, do que pode ser dito, inaugurando caminhos para o resto da humanidade. O mesmo termo “poeta” em nossa época, infelizmente, se banalizou. “Poeta” ou “gênio” é apenas quem tem hoje uma “sacada” de momento, que depois fica velha, como uma piada. Talvez dê um “teco” no marasmo, mas não amplia nosso vocabulário, não nos empresta novas possibilidades, nem nos abre novos horizontes. Então encontrar um poeta, agora, talvez seja um acontecimento muito mais relevante – na atual maré de “eventos” chochos. Elisabeth Veiga, por exemplo, em seu A Estalagem do Som, que a editora Bem-te-vi acaba de lançar (dentro da sua coleção de poesia): “Ao vento/ um palito de fósforo/ que pensa:/ existo”. E esse é só o primeiro poema, “Ser”. Poeta não é eu-lírico, claro, mas Elisabeth poderia se definir, brilhantemente, assim: “Quem quiser que funcione:/ eu sou um parafuso a menos/ da máquina do mundo”. A máquina do mundo de Drummond, para quem lembrou. Drummoniano ou pessoano, igualmente, o trecho: “Escrevo como quem sobrevive/ e se diz: em frente”. E a justificativa: “Não posso/ jogar-me fora”. Impossível, neste ponto, não lembrar das hordas de “geniais”, “criativos” e outros mais, que só nos fazem cócegas com seu cabelos, óculos e andrajos espalhafatosos. Poetas, eles? “Estou chorando a cântaros/ em dodecafonia/ (dói na cabeça/ que bateu de ponta com a/ vida)”. Ou finalmente o poema, homônimo, “O Poema”(!), que deve ser lido, todo, já que o poema, o próprio (de novo), não pede licença (nem precisa de horário nobre): “[O Poema] não tinha ninguém/ para gostar ou não”. Elisabeth tem três outros livros, já, mas que continue nos “depositando [seus] ovos incubados de poesia”, num tempo em que até o “ônibus perdeu o rodízio” e onde a saída pode ser, justamente, “pinçar relâmpagos”.
>>> A Estalagem do Som