Digestivo nº 331 >>>
Kind of Blue talvez esteja na discoteca básica de jazz de todo mundo, mas quase ninguém hoje sabe explicar sua importância. Uma grande chance para os incautos que passam a informação mas não conhecem a história por trás dela é o livro Kind of Blue – A história da obra-prima de Miles Davis, escrito por Ashley Kahn e lançado, no Brasil, pela editora Barracuda. Kahn pega o leitor pela mão e o conduz desde o encontro de Davis com Charlie Parker, passando pelo hard bop, estourando no cool jazz (de Birth of the Cool), até a consagração do jazz modal de Kind of Blue (e sua repercussão). Além da reconstituição dessa trajetória musical, no meio do século passado, um ponto forte da obra é reconstituir, uma a uma, as sessões de gravação de Kind of Blue, desde as falas dos técnicos até os relançamentos (com extras), mais de quarenta anos depois, passando pelo texto seminal de Bill Evans (na contracapa), pelas declarações autobiográficas de Miles (nos seus últimos anos) e por aspectos de estúdio aparentemente obsoletos mas fundamentais na sonoridade do álbum. A principal constatação, para quem atravessa essa saga, é que o jazz não tem como ser o que foi naquele então. O jazz nos anos 50 era a música popular, assim como a bossa nova, no Brasil, nunca mais será a mesma que foi final dos 50, início dos 60, em matéria de hegemonia. Mal comparando com os artistas de hoje, que lançam o mesmo disco de estúdio a cada dois anos, parece improvável que gente como Davis, Coltrane, Evans e Cannonball andasse sobre a Terra, reinventando a própria linguagem a cada performance. Observando o panorama atual, do pop, salvo raríssimas exceções, ficamos congelados nas invenções dos Beatles – e o jazz do presente terminou preso a uma exumação perpétua de monstros como os que criaram Kind of Blue. Nas entrelinhas da exaustiva pesquisa de Ashley Kahn, podemos ler que o tempo da grande música popular, dessa grande música pelo menos, já passou. Ainda bem que alguém gravou.
>>> Kind of Blue – A história da obra-prima de Miles Davis