Digestivo nº 334 >>>
Hoje quando poetastros desejam fazer as brincadeiras que Manuel Bandeira fazia, em poesia, esquecem-se de um dado fundamental, conforme lembra o professor João Adolfo Hansen, com deferência, sempre que fala nele: “Bandeira era cultíssimo”. Podia, então, brincar à vontade com a língua, podia até se dar ao luxo de ser o “São João Batista do Modernismo”, segundo Mário de Andrade, escarnecendo do “lirismo funcionário público” e mesmo da sua débil condição física. Hoje, para falar dos “poetas” contemporâneos, poder-se-ia adaptar termos como “escatologia funcionária pública”, “violência (gratuita) funcionária pública” e o “semi-analfabetismo funcionário publiquíssimo”. E a incultura, claro – que, além de orgulhosa e ostensiva, seria o produto mais bem distribuído hoje, de Norte a Sul do Brasil. Não é exagero concluir, portanto, que Bandeira nos humilha, aqui no século XXI, com sua cultura – e um bom exemplo, atualmente nas livrarias, é a edição Alguns poemas traduzidos, com organização de Leonardo Fróes. Bandeira, fora tudo o que escreveu, em poesia e em prosa, realizou traduções, até para consumo próprio, que se tornaram célebres – a ponto de virarem livro e, oportunamente, chegarem até nós, os “incultíssimos”. Desde Goethe até Bashô, nosso São João Batista do Modernismo parece ter especial predileção por Hölderlin (sobre quem se debruça nove vezes) e, obviamente, por “modernos” como o espanhol García Lorca (duas vezes) e o nicaragüense Rubén Darío (duas vezes também). Entre as poetisas, Emily Dickinson recebe sua especial atenção (cinco vezes) e ainda Juana Inés de la Cruz (duas). O volume faz parte da coleção Sabor Literário, da editora José Olympio, e pode ser lido, como se diz, numa sentada (ou até numa deitada). Bandeira, embora galhofeiro e de feições um pouco cômicas, não era só cultíssimo, mas, também, seriíssimo, em matéria de poesia.
>>> Alguns poemas traduzidos
Julio, em nome da família Bandeira (sou sobrinha-neta do poeta, neta de seu irmão Antonio) quero agradecer a divulgação e as palavras elogiosas sobre ele. São, na verdade, muito justas. Ele era cultíssimo e a poesia para ele, mais do que matéria de inspiração, era transpiração, trabalho árduo sobre a palavra. O aparentemente simples é muito mais complexo. E tenho especial carinho por estes poemas traduzidos - amo de paixão. Abraços, Helena
Pensar Manuel Bandeira, além do medo que ele tinha de morrer, mas lembrar de suas palavras, dizendo pra São Pedro, da Irene preta, e sabendo que mesmo bonachão, lá no céu, São Pedro daria um sorriso, dizendo, pode entrar, Irene, a casa é sua, minha preta.
Julio, agora você disse tudo. Sempre gostei e admirei Manuel Bandeira. O cara era fera na arte da palavra, na brincadeira com os versos, na gozação e na sensibilidade. Quando ele trata de amor, saudade, pátria, essas coisas... toca fundo a nosssa alma. Muitos pretensos intelectuais não valorizam a sua obra, talvez por acharem simples os seus versos. Tem um poema que adoro: "Carinho Triste". É muito bonito e triste. Que bom que você nos relembrou esse grande poeta! Bj. Dri