Digestivo nº 343 >>>
E vamos “processando” a periferia aos poucos... Se antes os nossos cineastas eram até agressivos em retratar a pobreza – como que para forçar a ver quem ainda não tivesse visto –, hoje os favelados, em película, são simpáticos, risonhos, tem sonhos como todos, são, enfim, gente como qualquer outra. Glauber e outros, com seu gênio incontestável, queriam politizar o “pobre”, a fim de que este, em tela grande, se enxergasse e saísse do cinema fazendo logo a revolução. E essa idéia se espraiou por outras artes, como a literatura – onde Ferreira Gullar, por exemplo, foi fazer poesia de cordel, para o povo com “consciência” política. E até na música, quando Nara Leão cansou do “hype” da bossa nova, abraçou o gênero “de protesto”, montou o show Opinião e buscou inspiração em sambistas do morro, como Cartola. Havia, nessas iniciativas, um desejo de “rompimento” que impedia, justamente, a assimilação por todas as camadas. Esses artistas eram caracterizados como “rebeldes”, subversivos, e o resto da sociedade automaticamente se protegia contra suas visões de mundo... Atualmente, portanto, é uma sorte encontrar um filme como Antônia, de Tata Amaral, que retrata, com competência, a cena do “hip-hop” de São Bernardo, no Grande ABC, mas que não toma aquela realidade como bandeira, não discursa num tom enviesado e, por isso mesmo, não precisa arrombar a porta com para ser apreciado ou simplesmente visto. Antônia, assim, acontece com naturalidade. Não está “endereçando uma mensagem” a determinada classe social, não está combatendo uma outra – então pode ser compreendido por todos, e chega muito mais longe. Os desencontros amorosos, a situação da mulher, a violência e o crime são, em Antônia, temas universais, exacerbados mais pela trama do que pelo entorno. Como arte, Antônia traz a novidade do assunto; e, como cinema brasileiro, é um sinal de maturidade.
>>> Antônia
Não me leve a mal, mas essa abordagem des-contextualiza a obra de Gláuber e de todo o Cinema Novo, a poesia de Ferreira Gullar, o posicionamento de Nara e de toda a arte engajada dos tempos da ditadura militar, para fazer um afago e contextualizar a visão "processada" da periferia mencionada no texto, no balaio/engodo capitalista do "fim da história" e do mercado como a "única verdade".
Apóio o comentário, lúcido, sem bandeiras; é através das diferenças que se chega a um consenso mais justo; e tendo uma informação mais ética e bem direcionada através da arte, assimilaremos mais rápido a necessidade de sermos uma única bandeira.