Digestivo nº 349 >>>
Para quem descobriu a literatura através da internet ou dos processadores de textos, um livro como o de Erich Auerbach pode mostrar que essa brincadeira, de escrever, já dura alguns séculos e que os verdadeiramente grandes (autores) não têm nada a ver com o acento “pop” e a efemeridade da literatura contemporânea. Auerbach é autor do cultuado Mimesis – livro que atravessa eras, numa visão totalizante da literatura, e que foi escrito com referências “de memória” (sem o auxílio de uma biblioteca). Para quem tem o Google como oráculo, é quase impossível imaginar homens como Auerbach, que transportavam épocas inteiras na cabeça. Portanto, para essas pessoas, ler os Ensaios de Literatura Ocidental, com organização de Samuel Titan Jr. e Davi Arrigucci Jr., pode ser, além de um prazer, uma grande descoberta. Afinal, como disse Antonio Fernando Borges numa entrevista, o grande desafio para os novos autores não deveria ser publicar o primeiro livro e, sim, conhecer a tradição e – só aí – saber se há algo a acrescentar. Auerbach passa por Dante (uma de suas especialidades), Agostinho (revelando seu estilo), Montaigne (desnudando-o), Rousseau, Baudelaire (sublime), Proust e Vico (sempre emergindo). Seu texto não é academicamente intransponível, nem coalhado de notas de rodapé. Auerbach não precisa provar que sabe. Como um senhor do tempo, divide momentos da história humana – produzindo insights, com a naturalidade de quem conviveu com seu objeto durante décadas. Ao contrário de um mau professor, Erich Auerbach não impõe sua autoridade – para os mais inteligentes, ou sensíveis, insinua que essa conversa, de literatura, é antiga. Claro que, quase todos os dias, a indústria tenta nos convencer de que sai um livro imprescindível – a diferença é que Ensaios de Literatura Ocidental é esse livro.
>>> Ensaios de Literatura Ocidental
Uma análise serena e correta. Chamar a atenção dos novos escritores para o aspecto do acréscimo de algo à sabedoria acumulada é - senão - inédito, muito raro hoje. As letras hoje estão inchadas de emoção e pressa. Esquecemos dos nossos antepassados, esquecemos da herança e principalmente do diálogo. Ele fica estagnado sem o passado. Pobre e no mais das vezes infeliz. Grande lembrança da arte do diálogo através da literatura. Parabéns.
Realmente é uma ótima indicação para qualquer biblioteca. Agora ler e descobrir que nada se tem a acrescentar, deve ser dureza. Mas, vou correr o risco. Gosto tanto de ser leitora que não me importarei se tiver que deixar de ser autora.