Digestivo nº 351 >>>
Para um gênero musical que se alimenta muito da imagem, Renato Russo era feio, desajeitado e cafona (em entrevista à extinta revista Manchete, anunciava que queria ter nascido com o rosto de Alain Delon...). E para um frontman cujo forte eram as letras ― esforçando-se sempre para ter um apelo visual, mas acabando associado aos óculos de nerd, ou "intelectual", do rock BR ―, Renato Russo não apostaria que o mito da Legião Urbana sobreviveria muito por sua causa e que um dos maiores eventos "dez anos depois" é uma peça de teatro sobre sua pessoa, com seu nome. Bruce Gomlevsky ― talvez como o próprio Renato Russo ― não é um grande cantor no palco, mas, nos textos, encarna ― como ninguém até agora ― o bardo atormentado, oscilando entre o punk e o brega, vivendo sempre no limite, até morrer de Aids (como Cazuza). Pode parecer difícil imaginar uma peça sobre Renato Russo que não seja apenas uma seqüência de suas canções, mas Gomlesky, Mauro Mendonça Filho (na direção) e Daniela Pereira de Carvalho (na dramaturgia) conseguiram montar um fio condutor que parte de Brasília, passando pelo Rio e por Nova York, mantendo o interesse, talvez mais até do que os hits da Legião. Bruce Gomlevsky estudou os trejeitos de Russo e, ainda que pareça exagerado no início, causa uma impressão funda depois, culminando com a performance de "Pais e Filhos" ― quando a confusão com o personagem é tamanha que a platéia chega a cumprimentá-lo emocionada como se fosse o Renato Russo encarnado. Outro ponto forte musical é que não há playback e Gomlevsky canta com uma banda de apoio que, instrumentalmente inclusive, é superior à própria Legião Urbana (Arte Profana, com destaque para o guitarrista Ziel de Castro). Não se sabe, contudo, se a peça se justifica para quem não viveu o período. Como nostalgia funciona; e, dependendo da resposta, talvez até vire filme.
>>> Renato Russo
Realmente é impressionante! Chega um dado momento da peça em que ele envolve a platéia de uma tal forma que todos parecem estar anestesiados e crendo que ele realmente é o Renato. É de arrepiar, principalmente quando ele diz que está pensando em um nome artístico, e estava querendo usar Rousseau, em homenagem ao próprio, e a platéia grita unida: não, usa Russo!...