Digestivo nº 357 >>>
Olhando pela capa, Siba parece ter saído daquela região do Nordeste que, segundo Ariano Suassuna, ficou estacionada na Idade Média. A sonoridade, aparentemente também, não nega: assaz primitiva na forma — pelo som da banda Fuloresta — só revela sua sofisticação a quem presta atenção nos pequenos detalhes... Evocando a alavanca de Arquimedes, por exemplo, Siba intitula seu álbum Toda vez que eu dou um passo, o mundo sai do lugar. E verseja: "Ouço o mundo me dizendo/ Corra pra me acompanhar/.../ Procurei o fim do mundo/ Porém não pude alcançar/.../ Que quando um deixa o mundo/ Tem trinta querendo entrar". Siba mistura a poesia de cordel com o repente, com a vanguarda do mangue beat. Divide os vocais com Céu, conta com a participação de um DJ (Marco), com a guitarra de Lúcio Maia, e endereça agradecimentos a Jorge DuPeixe. Enquanto canta: "Será que ainda vai chegar/ O dia de se pagar/ Até a respiração?/.../ Pela direção/ Que o mundo está tomando/ Eu vou viver pagando/ O ar do meu pulmão". Sua banda — de rua? — tem viola, bombo, tarol, "póica", trompete, sax, tuba e trombone. Numa outra época, daria para imaginá-los fazendo serenata na janela, desfilando pela praça central ou animando baile de terça-feira gorda. Só que, ao contrário das marchinhas de Carnaval, Siba e a Fuloresta entoam: "Disse a morte para a foice:/ Passei a vida matando/ Mas já estou me abusando/ Desse emprego de matar// Porque já pude notar/ Que em todo lugar que eu vou/ O povo já se matou/ Antes mesmo d'eu chegar// Quero me aposentar/ Pra gozar tranqüilidade/ Deixando a humanidade/ Matando no meu lugar". Lúgubre para quem lê, cômico para quem escuta. Se seguir a linha evolutiva da MPB, perseguir a bossa eletrônica dos 2000 ou sucumbir ao canto da musa "eclética" são estratégias do passado, Siba consegue chamar a atenção, justamente, na contramão dos "modernos", dos fashionistas e do hype. E quase torcemos para que ele não faça sucesso — e preserve essa criativa identidade.
>>> Siba e a Fuloresta
Siba foi passear pela fuloresta musical e encontrou sua maneira artística de fazer. Siba sabe que se bobear perde o bonde no meio desse deserto de criatividade em que vivemos. Sua música soa bem aos quatro cantos. Poesia feita de latejantes versos, de rimas ricas em repente, barroco, moderno... Enfim, com Siba estamos em boa compania. Abraços, Clovis Ribeiro
Quem conhece Siba desde o Mestre Ambrósio, um grupo de aparentes jovens músicos, mas que fazia um som para nenhum grande mestre botar defeito (quem não conhece é só escutar Fuá na Casa do Cabral ou Terceiro Samba), sabe de sua verve criativa, musical e seu gosto pela cultura nordestina (seja a mais pura, seja misturada com coisas novas). Rabequeiro invejável, desfila versos e melodias como os mestres repentistas, emboladores e artesãos da "música de raiz". Para nossa alegria, Siba faz sucesso sim. E é merecedor do mesmo. Só fiquei meio triste quando ele saiu do Mestre Ambrósio, pois a química do grupo era realmente boa. Além da música de qualidade, os integrantes eram brincantes das danças regionais e um deles, Hélder Vasconcelos, ainda é ator (participou do filme O Homem que Desafiou o Diabo, no qual fez o diabo). Verdadeiros representantes, assim como tantos outros, de tudo que o nosso Brasil tem de bom. Abraços.