Digestivo nº 360 >>>
Maria Rita não vai conseguir escapar da controvérsia tão cedo. Quem assistiu à estréia do seu show Samba Meu, no Citibank Hall em São Paulo, comprovou. Não é só a sombra de Elis Regina que persegue a intérprete. Desde que se lançou, Maria Rita sofre com a contradição de ser uma cantora nata, cuja alma foi vendida ao mainstream a prazo. Assim, ao mostrar, ao vivo, que tem provavelmente "ouvido absoluto", é obrigada a encarnar uma nova personagem a cada turnê, possivelmente sob as ordens do marketing de sua gravadora — que, atualmente, não hesitaria em transformar uma diva negra do jazz americano em uma spice girl loira do pop britânico, se as "pesquisas" de hábitos do consumidor indicassem nessa direção. Logo, Maria Rita até quer cantar "samba de raiz", e sua escolha de compositores faz algum sentido (ela entende mesmo de música), mas, paralelamente, desvia a atenção para questionáveis decotes (para os quais não tem corpo), para seu bronzeamento de laboratório e para seu novo abdômen "tanquinho". Elis Regina — e é quase atávica a comparação aqui — também se entusiasmava com o mise-en-scène do palco, nesse sentido é paradigmático seu show Falso Brilhante, mas ela tinha propósito, tinha até discurso, pensava saber para onde estava caminhando, e não simplesmente cedia aos ditames da moda (ainda mais aos ditames de uma indústria falida, a do disco...). A chave para a compreensão do fenômeno Maria Rita, portanto, é que ela tem, decididamente, talento musical, mas falta-lhe senso histórico, falta-lhe consciência, por exemplo, de seu lugar na história da MPB e falta-lhe, sobretudo, um projeto artístico. Sem isso, Maria Rita pode até impressionar pelo virtuosismo em estúdio mas vai continuar perdendo na comparação com a mãe ao vivo.
>>> Maria Rita
Mas será que ela realmente precisa ser comparada com a mãe o tempo todo? Sinceramente, isso já está parecendo falta de criatividade dos jornalistas e da crítica. Diante da falta do que dizer a respeito da artista, vão pelo caminho mais fácil, a comparação com a mãe...
Uma exausta Maria Rita nos surge a cada novo show, carregando o peso morto de ser a filha da Elis... Tendo como herança toda a musicalidade e o talento de sua mãe, não é, porém, uma Elis renascida (o que seria a realização de um sonho coletivo). Herdeira, é vista por muitos como usurpadora de uma "deusa" que, com sua morte desastrosa, traiu um mundo de admiradores fiéis. Maria Rita não convence por não ser, a qualquer custo e risco, uma "cover" da saudosa e insubstituível Elis Regina. É importante que Maria Rita se respeite mais! Que cante o que sabe, que escolha o que cante, que interprete a seu modo, que se orgulhe do que é, não de onde veio... Afinal, não foi ela que escolheu o ventre abençoado que a gerou, com tamanho talento! A sombra que a persegue é a do sucesso. Que a deixem livre desse limbo, para ser finalmente vista, sob a sua própria luz!
Assim como todo fã de Maria Rita foi e é fã de Elis Regina, é normal que se queira fazer algumas comparações, mas não a chegar ao ponto de querer ver na filha cantora o que foi e o que é ainda a imagem de Elis Regina, tendo nela seus valores e popularidade. Cada cantor é aquilo que quer representar sua imagem. Se Maria Rita tivesse a intenção de "imitar " sua mãe, ela seria, sem sombra de dúvida, muito mais criticada. Mas o fato é que Maria Rita é Maria Rita.
O sorriso dura somente um instante, mas seus efeitos duram para sempre... este é o sorriso contagiante de Maria Rita. Obrigado por ser brasileira e nossa cantora!