Digestivo nº 362 >>>
Entre mais uma vítima dos excessos "artísticos" do século XX, esteve Piaf, Édith Piaf — ou, pelo menos, é assim que nos faz crer o premiado filme sobre sua vida e trajetória como intérprete, agora em DVD. Aparentemente, uma mistura fatal de álcool e drogas injetáveis, em doses cavalares durante anos, terminaram por aleijar, inutilizar e, claro, matar a cantora comumente associada a "La Vie En Rose", "Non, Je Ne Regrette Rien" (seu auto-retrato, somos informados) e "Ne Me Quitte Pas" (que surpreendentemente não está na trilha sonora). De fato, é impressionante a performance de Marion Cotillard (n. 1975), que, enquanto respeitou o mito da artista Piaf, desconstruiu sua pessoa, sua vida pessoal, chegando a um resultado perturbador (quando não exagera pelo choque ou, simplesmente, quando não atordoa o espectador). A exemplo, nos Estados Unidos, de Billie Holiday (e, no Brasil, de Carmen Miranda), Piaf foi moída pelo rolo compressor do show business, enquanto se entregava, desde cedo, à boemia nas horas vagas, e a afetos não correspondidos, desde os pais (desnaturados) até um amor impossível e, finalmente, trágico. Não espanta que, pela caracterização no longa, aos 40 anos Piaf aparentasse ter o dobro da idade, desmaiando em meio a temporadas (nossa Carmen também caiu, na televisão, no dia de sua morte), abandonando o palco, e se arrastando de volta — numa persistência, aliás, émouvante. Artista intuitiva, segundo nos contam, Piaf não teve, formalmente, aulas de canto, apenas algumas sugestões na pronúncia (apressada), e no gestual — gravando, imaginamos, "de primeira", nunca estudando, e reconhecendo a qualidade de uma canção já nos primeiros versos ao piano. Da infância num prostíbulo, passou ao circo, cantou na rua, em cabarés, foi a voz de Paris e ganhou o mundo. Mas a que preço? O DVD, também felizmente, não nos permite conclusões morais; só fica a aflição de uma Piaf, para sempre, transtornada.
>>> Piaf: um Hino ao Amor
Há os que vêm para brilhar, e se vão. São os que permanecem brilhando, independentemente de estarem fisicamente aqui. Edith Piaf foi um desses mitos. Sua arte resta como inspiração e mito, suas melodias insubstituíveis continuam a comover, pela simplicidade de sua performance ao cantá-las. No mais, observa-se que álcool e drogas sempre estiveram presentes entre os que se debatem entre emoções e sentimentos conflituosos, o que é também a marca da diva Piaf. A sua vida efêmera foi um privilégio. Nada mais tinha a fazer, dizer ou cantar, por aqui. Cumpriu seu tempo mas continua sendo lembrada por ser quem foi.
Só ontem assisti ao filme e, de fato, me surpreendeu! A atuação da atriz é impecável e o filme nos leva a perceber realmente a alma de Piaf, com músicas e fotografia belíssimas. Não é fácil dissociar sua imagem de diversas cantoras, que, como ela, partiram tão rapidamente. Janis Joplin, Elis Regina, Cássia Eller e por aí vai... Beijo