Digestivo nº 371 >>>
Não é uma obra-prima a montagem de Senhora dos Afogados, de Nélson Rodrigues, por Antunes Filho — mas é, como diria Paulo Francis, provavelmente o melhor Nélson disponível, sendo, talvez, Antunes Filho, quase octogenário, a última reserva do teatro brasileiro. Como afirmava e reafirmava o mesmo Francis, o texto é de grande poesia — para ele, a maior em Nélson (mas, possivelmente, não maior do que em Álbum de Família) —, Antunes Filho e o Grupo Macunaíma, porém, acrescentaram trechos, criando seqüências inteiras, às vezes alongando cenas, já que o público da televisão (majoritário, ainda hoje) talvez não suporte a tragicidade plena, os desvios comportamentais incuráveis e o destino impiedoso na história da família Drummond. Ler Senhora dos Afogados — como ler as maiores obras-primas de Nélson Rodrigues para teatro — é uma experiência brutal, para quem justamente tem sensibilidade literária — mas, hoje, os espectadores, mesmo no cinema, não suportam a tragédia sem concessões, guardando um riso de canto de boca, para o momento da abertura à comédia, transformando o sério em ridículo e suspendendo toda a gravidade. Nos estertores do pós-modernismo, "tudo é relativo" e nada pode ser completamente "sem saída" — mesmo Nélson Rodrigues; e Antunes Filho, nesta montagem, não foge disso. O núcleo da família Drummond, obviamente, está bem representado, com destaque para a filha remanescente, entre uma mãe corretamente hipnotizada (por vezes, um pouco sonsa) e um pai distante (em algumas situações, um pouco robótico). Rindo na hora errada (é para rir em alguma hora?) e jamais relacionando o que acontece com o seu próprio inconsciente (Nélson tem soado apenas exótico, ultimamente), o público deve ter sustentado a temporada mas não está à altura de um clássico Antunes Filho. Ainda há tempo, contudo, para revisitar Nélson Rodrigues, segundo um de seus mais ardentes representantes.
>>> Senhora dos Afogados
Assisti "Senhora dos Afogados" na última sexta-feira e fico feliz em ver que não sou a única a ficar estupefata com as risadas do público. Uma vez, assistindo a "Toda nudez será castigada", há 10 anos, percebi que o público ria cada vez que ouvia um palavrão (curiosamente, descobri semana passada um texto do NR dentro do "Cabra Vadia" onde ele fala que o brasileiro não resiste a um palavrão... sábias palavras); só que em "Senhora dos Afogados" não há um só palavrão e, como vc bem falou, sequer acho que o público estivesse rindo nervosamente em virtude de algum "insight". Não, eles riam, simplesmente riam... Não conhecia essa citação do Paulo Francis, nem que o Antunes colocou algumas cenas inexistentes (não li "Senhora..."), vou fazer um adendo ao post que escrevi no sábado para complementar.
Também senti o mesmo alívio da Flávia. Saí da peça me achando completamente burro: do que as pessoas riam? Será que não houve equívoco da montagem ao tentar misturar comédia e drama? Para mim, o resultado não foi dos melhores. A interpretação do núcleo familiar, de toda sorte, salva a apresentação (principalmente a atriz que interpreta Moema).
Antunes Filho é o grande responsável pela consagração post-mortem de Nelson com "Paraíso Zona-Norte" e "Nelson 2 Rodrigues". Tenho certeza de que ele deve ter feito um grande trabalho. Não tive o prazer de ver a montagem, mas creio que ele deve ter colocado de forma criativa toda a densidade e tragicidade que o texto exige.