Digestivo nº 379 >>>
Enquanto João Gilberto — que já apresentava sinais de senilidade musical — reduziu-se ao estado do tatibitate, por causa do nível intelectual de seu último relacionamento (vide Mônica Bergamo, na "Ilustrada" de domingo), David Lynch continua à solta, enganando boas almas, e aplicando peças em críticos inseguros, com seus delírios fílmicos. O último atende pelo nome de Império dos Sonhos, recentemente em DVD (lançado originalmente em 2006), o primeiro "sem roteiro" da carreira do cineasta. Quando perguntado sobre seu magnum opus, o próprio sumarizou: "É a respeito de uma mulher com problemas; é também um 'filme de mistério' — isso é tudo o que eu tenho a dizer". Já os atores principais foram um pouco mais honestos na première: Laura Dern admitiu que não sabia do que se tratava Império dos Sonhos, nem mesmo definiu qual era seu papel no longa, esperando "aprender mais" a cada nova sessão; enquanto Justin Theroux entregou o ouro, revelando sua incapacidade de explicar o filme, e apostando, ainda, que nem o próprio Lynch era capaz disso. Sem nenhum tipo de "plot" — como se diz em inglês —, o diretor entregava, diariamente, calhamaços de novos diálogos aos atores. Nem com as presenças de Jeremy Irons, Nastassja Kinski e até do músico Ben Harper e da voz de Naomi Watts foi possível salvar Império dos Sonhos. Conforme apontou um crítico de Los Angeles, "se começa promissor", o filme "logo se desvanece" e, "com sorte", "se perde"... "para nunca mais". Com ironia, a mesma Dern, musa de Lynch, respondeu a um dos produtores, durante as filmagens (quando o diretor lhe solicitou "uma mulher de uma perna só" e "um macaco", "para as três da tarde"): "Você está numa produção de David Lynch, meu caro: 'Relax and enjoy'" (o que deve ter inspirado nossa então Ministra do Turismo). Como não conseguiu, obviamente, distribuir direito sua obra magna nas salas de cinema, Lynch tentou distribuir, de forma independente, o DVD (com "extras"). Ainda que Império dos Sonhos tenha, infelizmente, chegado até nós, David Lynch realizou-o totalmente em digital, e prometeu nunca mais usar película em suas filmagens. A Sony, seguindo o bom exemplo do Studio Canal, bem que poderia deixar de patrociná-lo.
>>> Império dos Sonhos
É curioso como sempre podemos encontrar em algum canto alguém capaz de nos mostrar a verdade por trás de todas as coisas, não? Se este filme não trouxesse críticas como a sua, nem poderia, ao meu ver, ser considerado uma obra bem realizada. Obrigado por fazer a coisa toda funcionar.
Julgar um filme simplesmente por não entendê-lo é um pouco simplista, pois aí estaríamos jogando no lixo todo o cinema cinema que envolve o subjetivo e o surreal. Desta forma, os filmes que Buñuel e Dali também seriam reduzidos à nada. Nem sempre a "história" é o mais importante numa obra fílmica. Lynch gosta de trabalhar com as sensações mais profundas em alguns de seus filmes, e o maior exemplo disso é Império dos Sonhos. Concordo plenamente que é um filme difícil de digerir (eu até mesmo não o recomendo levianamente), mas não tiro os créditos e a ousadia de Lynch em trabalhar o inconsciente, o universo dos sonhos e o lúdico.