Digestivo nº 385 >>>
Ainda que o baú da família Moreira Salles não tenha fundo, e ainda que eles sejam competentíssimos em suas iniciativas artísticas, o jornalismo cultural brasileiro, sobretudo o impresso, não tem mais desculpa para suas mazelas "incuráveis", afinal a revista Piauí completa dois anos agora em outubro. Tudo bem que a publicação fugiu o quanto pôde do rótulo ("jornalismo cultural"), mas é isso o que ela faz — pois, se continua muito próxima do modelo da New Yorker, uma das melhores do mundo (qual o problema?), sua inspiração, norte-americana, nunca negou a afinidade com a cultura, e com o jornalismo ligado às artes. Discussões sobre editorias à parte, a Piauí continua dando um banho nas antigas revistas culturais mensais, em papel, e, principalmente, continua humilhando os cadernos diários dos jornais e as pífias seções de "artes e espetáculos" das semanais brasileiras. Quem torceu contra — como quem torceu contra a internet —, caiu do cavalo, pois Piauí continua a mais bem escrita, a de melhores reportagens e perfis, e quase a única que respeita a inteligência do leitor. Ainda que tenha seu sistema de assinaturas vinculado ao Grupo Abril, Piauí conseguiu manter a independência, não se rendeu a um mero colunismo social de personalidades "culturais" e, portanto, tem força para criticar unanimidades que desfilam altivas desde a Caras até os textos dos jornalistas ditos "sérios". A torcida é para que, mesmo com a saída anunciada de João Moreira Salles em algum momento, Piauí continue como uma ilha nas bancas de jornal, valendo cada centavo do seu preço de capa.
>>> Piauí
Pelo menos esta revista pode provar que dá para fazer algo diferente. Mas o restante do jornalismo dito cultural brasileiro continua com o mais do mesmo, se rendendo às notas e críticas de livros com base no folder recebido, livros de celebridades, espetáculos patrocinados e por aí. Vida longa à Piauí.