Digestivo nº 396 >>>
Quando Lula finalmente foi eleito presidente do Brasil, Mino Carta se deixou fotografar ao lado de Raymundo Faoro, em Carta Capital, num dos muitos momentos de comemoração de algo que até a - maledetta - Veja chamou de "feito histórico". Faoro, que nasceu em 1925, veio a falecer em 2003. Mino Carta, recentemente, inaugurou até um blog, mas a tendência é convertê-lo num videoblog, embora passe a maior parte do tempo hoje "fora do ar" (Mino e seu blog). A comemoração no já longínquo - politicamente - 2002 sinalizava para uma possível expulsão histórica dos velhos "donos do poder"... Aconteceu? Ou só mudaram os "donos"? E depois do "suposto mensalão"... mudaram, de novo? O que diria Faoro, ainda, do governo economicamente "neoliberal" (ou, melhor, liberal) de Lula? Bendita herança maldita! E a atual injunção do Estado na economia pós-crise, como soaria aos ouvidos de Faoro, que foi puxar na hipertrofia da coroa lusa (sempre intervindo no mercado) a origem das nossas mazelas? Resta-nos cogitar... E ler a nova edição de Os Donos do Poder - Formação do Patronato Político Brasileiro, que tem a idade da bossa nova, e que ganhou capa dura pela Globo, com prefácio de Gabriel Cohn e reprodução dos manuscritos de Faoro das duas primeiras edições. É isso mesmo: o último clássico de interpretação do Brasil foi escrito há mais de cinco décadas. E, agora, quem se candidatará a interpretar o "B" do BRIC e a ascensão da classe média brasileira?
>>> Os Donos do Poder
Na conjuntura atual, assistimos impotentes ao retrocesso ético, moral e cultural de toda uma nação. Dignidade, honra e valores morais outrora cultuados na maioria dos lares, são hoje massacrados diuturnamente pelo imediatismo crônico de um povo carente e subjugado de um lado, egoísta e amoral de outro. Ambos conduzidos passivamente por líderes políticos, sociais e religiosos cada vez mais corruptos, cínicos e imorais, apoiados por leis falhas e absurdas, que propiciam a estes vampiros contemporâneos total impunidade. Tal situação agrava-se ainda mais com o desenfreado crescimento da anti-cultura, seja no campo das artes, das letras ou da música. Basta assistir aos "sabadões", "domingões", "gugus", e demais caricaturas televisivas, para confirmar este fato. Hoje, música, arte e diversão estão relegadas aos grupos autodenominados "folclóricos", com homens e mulheres balançando-se como dementes, ao som de músicas com letras repetitivas e sem sentido.
"Pegadinhas" cruéis realçam a estupidez e carência de um povo inculto. Entrevistas inexpressivas, com personagens tragicômicos, nada acrescentam ao já pobre cenário. Na imprensa escrita, pouco se salva deste mar de lama. Raríssimas publicações (como este site) conseguem manter uma linha editorial digna de apreciação. Nossas raízes culturais, nossa dignidade, nosso amor próprio e auto-estima, submergem paulatinamente ante a mediocridade de pseudo-intelectuais, regentes da desafinada orquestra que governa nosso país, cujo som embala placidamente a dança da impunidade, aplaudida por uma platéia de zumbis.
Carlili L. Vasconcelos