Digestivo nº 399 >>>
Depois de ouvi-lo falar de grandes homens da história, em preleções na universidade da Basiléia, Nietzsche, aos 24 anos — entre se doutorar e assumir a cátedra de filologia —, concluiu que, pela primeira vez na vida, sentia prazer em assistir a uma aula. Não é nova a incompatibilidade entre o gênio e a universidade; Schopenhauer dedicou um livro inteiro a combater, por exemplo, a "filosofia universitária". O fato é que o jovem Nietzsche e o professor Burckhardt se aproximaram; e gostavam muito de conversar, em passeios, sobre alguém que chamavam de "o nosso filósofo"... Schopenhauer, claro. Vinte anos depois, Burckhardt foi quem alertou a irmã de Nietzsche para o fato de suas cartas indicarem alguma coisa errada. Era o começo da loucura do autor do Zaratustra... Burckhardt, que publicamente dizia não se interessar por filosofia, além de ser amigo de Nietzsche, foi um dos maiores historiadores do século XIX. E sua obra-prima foi, justamente, A cultura do Renascimento na Itália, que a Companhia das Letras relança agora em formato de bolso. Burckhardt consolidou a noção de que a renascença italiana culminava com o desenvolvimento do indivíduo, a "descoberta" do mundo e do homem (não sendo, tão somente, um "redespertar" da Antiguidade). Schopenhauer entra na história, com seu conceito de "vontade", porque Burckhardt, ao abordar a Itália do período, apostava num Estado determinado pela cultura, e, não, pela política, pura e simples, ou pela religião, como na Idade Média. Portanto, aproximava a Itália renascentista da época da pólis grega, quando a cultura também reinava soberana. Voltaire, em sua modéstia ímpar, considerava que o Renascimento era um dos quatro períodos, na história humana, dignos de consideração. Quem nos lembra é Peter Burke, na introdução ao volume. Se Voltaire tinha razão, no seu vício de polemista, nada como se iniciar através deste ensaio clássico...
>>> A cultura do Renascimento na Itália