Digestivo nº 400 >>>
Além da cinquentenária edição de Os Donos do Poder, a editora Globo acaba de soltar uma coletânea de entrevistas com Raymundo Faoro, que pode servir de iniciação ao pensador brasileiro falecido em 2003. Os Donos do Poder se tornou um clássico das idéias sobre o Brasil, a ponto de despertar a curiosidade pelo que Faoro, justamente, pensava sobre a política brasileira contemporânea. Assim, Mino Carta, desde 1979, entrevistou Faoro, praticamente ano a ano, e agora Mauricio Dias organizou tudo em livro, cujo título provocativo é A Democracia Traída. Partindo da desmontagem do regime militar, Faoro confirma sua designação de "profeta", acertando, frequentemente, sobre políticos que viemos a conhecer melhor depois. Afirma, por exemplo, que "Sarney vive de ibope", FHC tem "habilidade acima das convicções", e que Lula, "eleito", tem de obrigatoriamente "contemporizar". Afirma, também, que "direita e esquerda" são "criações", "raciocínios" — "fora do concreto". Prevê, igualmente, que o PMDB de "eterna oposição" passaria a "eterno governo"; que o PT ascenderia muito rapidamente; e que o PSDB ocuparia o "centro" (surgindo como tertius, numa disputa entre os dois anteriores). O livro ainda capta, fora as profecias, o espírito do tempo, partindo de uma crença na política, como força transformadora da sociedade (algo que não há mais), até desembarcar progressivamente no ceticismo, no desalento e na desilusão. De tão longas, e detalhadas (até demais), as entrevistas são inimagináveis hoje; temperadas com erudição de jornalistas que liam (antigamente) muito; e pensadas, talvez inconscientemente, para durar. Raymundo não acertou somente ao escrever sobre a passado, mas também ao falar do presente e ao prever, como ninguém, o futuro.
>>> A Democracia Traída
O título deste livro - "A democracia traída" - faz-me lembrar o título do livro de Trotsky, "A revolução traída", e a questão da traição do pensamento político. É bastante importante saber que, no Brasil, os partidos são ajuntamentos de homens interessados em usufruir do poder econômico e político, sem nenhuma pretensão de governar. A idéia de um partido político que defende teorias, idéias e fundamentos filosóficos é papo para centistas sociais e sociólogos de plantão, nada mais. Tanto que foi necessário fazer uma lei para que eles se mantivessem dentro de suas agremiações partidárias...