Digestivo nº 403 >>>
No saldo de anos caindo nos vestibulares e nos "vestibulinhos" da vida, a Antologia poética de Drummond afugentou futuros leitores adultos, depois de tanta dissecação interpretativa, dada a mania, professoral, de querer entender o poema além da poesia. Mas os versos continuaram lá, imbatíveis: "Perdi o bonde e a esperança" ("Soneto da Esperança Perdida"); "José, para onde?" ("José"); "O tempo ainda é de fezes, maus poemas, alucinações e espera" ("A Flor e a Náusea"); "(...)a vida não se perdeu/ (...)o coração continua" ("Consolo na Praia"). A Antologia, organizada pelo próprio Drummond, não tem a pretensão de esgotar a própria obra, mas de apresentar, no tempo, uma trajetória poética que varreu, como poucas, o século XX. "Dentro de mim, bem no fundo,/ há reservas colossais de tempo" ("Idade Madura"); "Sinto que o tempo sobre mim abate/ sua mão pesada. Rugas, dentes, calva.../ Uma aceitação maior de tudo,/ e o medo de novas descobertas" ("Versos à Boca da Noite"). Drummond foi, à sua maneira, também filósofo. E psicólogo: "Só não quer que seu amor/ seja uma prisão de dois,/ um contrato, entre bocejos/ e quatro pés de chinelo" ("A Mesa"). Foi, ainda, cronista que escreveu em jornal, mas o que valia mesmo era um poema, entre capas, como "Canto ao Homem do Povo Charlie Chaplin": "Eis o tenebroso, o viúvo, o inconsolado,/ o corvo, o nunca-mais, o chegado muito tarde/ a um mundo muito velho". E foi poeta, mais do que tudo: "A literatura estragou tuas melhores horas de amor" ("Elegia 1938"). Amou, naturalmente: "Minha vida, nossas vidas/ formam um só diamante" ("Canção Amiga"). E zombou da existência: "O mundo não vale o mundo,/ meu bem" ("Cantiga de Enganar"). Foi, ainda, profético: "E como ficou chato ser moderno" ("Eterno"). Até sair de cena: "Ah, não me tragam originais" ("Apelo a meus dessemelhantes em favor da paz"). A Antologia poética é seu testamento.
>>> Antologia poética
Se os vestibulares andam afastando os futuros leitores adultos de Drummond, quem sabe as artes plásticas não os resgatem? Coloquei um texto hoje no Blog da Cultura sobre a mostra que a Casa das Rosas está organizando inspirada na obra e vida de Drummond. Aliás, o Waldo Bravo - curador da mostra - fala exatamente sobre esse casamento entre a Literatura e as Artes. Vale a visita :)