Digestivo nº 407 >>>
Embora seja considerado um dos principais escritores brasileiros contemporâneos, Milton Hatoum publicou, relativamente, pouco. No ritmo vertiginoso do mercado editorial brasileiro, Milton conseguiu resistir bravamente e lançar desde 1989 apenas três romances, uma novela e, agora, um livro de contos — o que dá uma média de um livro a cada quatro ou cinco anos. O tempo, contudo, esteve a favor de Milton Hatoum, porque, apesar de destoar da velocidade com que se publica hoje, sua reputação vem crescendo e seu sucesso tem sido igualmente bem administrado. Órfãos do Eldorado, lançado apenas três anos depois da obra-prima Cinzas do Norte (2005), é uma novela perfeitamente escrita e A cidade ilhada, o livro de contos deste ano, tem momentos de brilho num gênero em que Milton não era tão conhecido. Se começa borrando as fronteiras entre esse formato e o da crônica — evocando, inclusive, personagens de outros livros, como "Tio Ran" —, há inquestionável qualidade em narrativas como "Dois poetas na província", "Bárbara no inverno" e "Encontros na península". No primeiro, um jovem poeta parte para a França, enquanto seu velho professor apenas sonha com ela (e sua literatura); no segundo, exilados se encontram e se desencontram, na militância e no amor, no exílio e na pátria; e, no terceiro, o narrador dá aulas de português a uma espanhola fogosa, cujo amante, fã de Eça de Queirós, detestava o nosso Machado. No final, ficamos sabendo que os 14 contos foram escritos, e publicados, em diferentes épocas — o que talvez justifique a aparente falta de unidade de A cidade ilhada. Para os leitores, o que importa é que Milton Hatoum continua Milton Hatoum e que sua leitura permanece, felizmente, indispensável.
>>> A cidade ilhada
Adorei esse bom dia em segunda-feira que, apesar de ter-se iniciado cinza, segue em derramado amarelo morno sobre os verdes daqui dos jardins. Foi a primeira coisa que li hoje. Adorei, porque estou louca para tê-lo novamente embalando-me no desvendar das suas visões contadas em palavras sagradas e saboreadas, sentidas, e em mim, ilhando-me do resto de mim. Li os dois primeiros mencionados, e nunca esqueci aquele tio... Sim, obrigada pela grata surpresa, servida em bandeja de plástico. Branca, com contornos degustáveis e digestíveis em todo o seu entorno. Um abraço, seguirei os rastros azulados deixados para ver mais do Hatoum.
Cada ser que pensa e escreve deve ter o seu canto de solidão, pra construção de sua obra, de seu mundo. E se há um olhar abrangente, é como um raio laser, que atinge cada ser humano, com ternura no coração. A emoção caminha sempre junta com a razão. E a escrita é como a primavera, são flores dos discursos.
Mundo em construção, permanente viagem de suas personagens e pensamentos que buscam o foco da razão, ou não, da vida, depende de quem ler e compreende...