Digestivo nº 412 >>>
Otto — "o mineiro só é solidário no câncer" — Lara não gostava do primeiro livro de versos de Vinicius, O Caminho para a Distância, lançado em 1933, quando o poeta contava então 20 anos. Classificava-o ironicamente como "um caminho que se pretendia para a distância, mas não foi". Otto se incomodava com o que chamou de "a embriaguez causada pela vertigem das grandes alturas e abstrações". Eram muitas maiúsculas para o seu gosto (Verdade, Espírito, Mistério) e ele, inclusive, achava que o "poeta altíssimo", na sua compaixão pelo gênero humano, queria pairar acima dos homens. Antecipando uma tese — à qual Ruy Castro daria continuidade no verbete de Ela é Carioca sobre Vinicius de Moraes — Otto Lara sinalizava a mudança transformadora a partir de "Ausência": quando o lírico driblaria o "cipoal de angústias metafísicas" em que andara enredado. Direto do "reino do sublime", aterrissando no "plano do real", nasceria um novo poeta, um novo Vinicius. Deixaria então de se inspirar em Rimbaud, o "vidente", para aproximar-se de Neruda, "sensual e social", e de Lorca, "valorizado pelo martírio". Já a linguagem partiria para o natural, o coloquial, à moda dos modernistas, e a mulher — claro, a mulher — deixaria de ser "musa incorpórea" e passaria a ser "gente, companheira, amiga" (sem "nada de idealização"). Afinal, para Otto, os "eflúvios místicos", do jovem Vinicius, nunca passaram de "inequívocos arrancos sexuais" (reprimidos?). Voltando-se para o "tempo presente", o poeta abandonaria definitivamente as "profecias de timbre apocalíptico". E Vinicius de Moraes se estabeleceria como "um protagonista que nunca se esconde nos bastidores" (para o bem e para o mal). "Rompendo as últimas cadeias", depois do encontro histórico com Antonio Carlos Jobim, a palavra enfim se faria canto e o poema, canção. Vinicius não cederia mais à "tentação do refinamento" e se dissolveria no "sentimento geral" (do povo?). O poeta — outrora, altíssimo — estaria, finalmente, na boca das multidões... Este ensaio, belo e revelador, de Otto Lara Resende está na nova edição do Livro de Sonetos, de Vinicius de Moraes.
>>> Livro de Sonetos
De uma precisão sintética e elegância concisa - um micropanorama, essa nota; de rara felicidade pela forma como coloca em e-vidência a vidência de Lara e o encontro epifânico Vinícius-Tom Jobin. Parabéns!
A frase do Otto, acabei conhecendo numa obra de Nelson Rodrigues que virou filme, e se não me engano era "Bonitinha mas ordinária". Quanto ao Vinícius, o endeusamento que ele fazia da mulher é algo exuberante, a ponto de usar toda a sua versatilidade de poeta trovador, com versos setessilábicos, combinando a primeira linha com a terceira, e sem pé quebrado, ou seja, versação completa. E isto eu acho um charme.
Vinicius não escrevia qualquer poema sem ter um violão à disposição. Tinha estilo próprio de tirar o verso da melodia poética que o violão captava. Antes dele declamar, cantava o verso pela melodia poética. Sua natureza era bem maior que a de um simples poeta. Era um compositor musical nato, que já acasalava versos a melodias. Apenas não sabia. Tom Jobim veio bem depois da amizade que tinha com outro pianista, Ernesto Nazareth, que percebendo a sua natureza o incentivava ao acasalamento de poesia com melodia. E foi desses incentivos que Vinicius criou coragem e compôs "Rancho das namoradas", muito antes de "Chega de saudade". Vininha sempre foi chegado num rabo de saia padrão, mas preferia, como todo poeta que se preza, compor para musas inatingíveis. Me surpreende o Otto dizer que ele abandonou a idéia da mulher mística. E a composição "São demais os perigos dessa vida", feita bem depois com Toquinho? Era uma homenagem à deusa grega Harmonia, à qual ele sonhava em desposar como Cadmo.