Digestivo nº 413 >>>
Depois de classificar três canções no 2º Festival Internacional da Canção (entre elas, "Travessia"), e depois de uma breve passagem por São Paulo, Milton Nascimento retornaria à sua cidade natal, o Rio de Janeiro, após uma vida inteira em Três Pontas e uma carreira meteórica de crooner, em Belo Horizonte. Mesmo estabelecido no Rio, nunca perderia o contato com a cena cultural da capital mineira e, para isso, teria sempre como guias os talentosos irmãos Borges, primeiro Márcio e depois Salomão, o "Lô". Como uma forma de reconhecimento, gravaria, por exemplo, "Para Lennon e McCartney" e "Clube da Esquina" (as duas com letra de Márcio e música de Lô), no disco Milton, de 1970. Mas Milton Nascimento enxergava, em Lô, mais que um adolescente que recém completara o segundo grau e, naquele início dos anos 70, resolveu convidá-lo para um álbum duplo, em que cada um comporia metade da obra. Era a centelha do Clube da Esquina (1972). Como "banda base", Milton convocaria o Som Imaginário, de Wagner Tiso, Tavito, Luíz Alves e Robertinho Silva; e, como exigência de Lô Borges, embarcaria também seu amigo, na mesma idade pré-vestibular, Beto Guedes. O apartamento de Milton no Rio, com sua agitação, atrapalharia o acesso às musas, logo, o núcleo de compositores decidiria buscar inspiração em Mar Azul, Niterói/RJ, onde comparecia ainda Ronaldo Bastos (que ficaria também encarregado da produção do disco) e para onde despachariam remotamente letras Fernando Brant e, claro, Márcio Borges. Depois de um ano na praia, os músicos seguiram, enfim, para os estúdios da Odeon, novamente no Rio, com o amparo dos guitarristas Toninho Horta e Nelson Ângelo e do técnico de gravação Nivaldo Duarte. Os arranjos de base ficariam a cargo de Wagner Tiso e os de orquestra, nas mãos de Eumir Deodato. Ah, fora a regência, em alguns momentos, de Paulo Moura, e a participação, em uma única faixa, de Alaíde Costa. Dessa coletividade, no mínimo, exuberante (e da qual é possível esquecer sempre algum nome), nasceria Clube da Esquina — Documento Secreto nº 5 (cujo subtítulo o artista gráfico Cafi cortaria fora da capa), um dos discos mais importantes da música popular brasileira, segundo gente como Tom Jobim, Edu Lobo e Caetano Veloso... Essa e outras histórias, de uma realização sem par, quem nos conta é Rodrigo James, na cronologia do livro comemorativo organizado por Andréa Estanislau, depois de mais de 30 anos do encontro, nas "esquinas da vida", entre Milton, Lô e todos os outros.
>>> Coração Americano
Embora o "Clube da Esquina" seja o trabalho mais famoso do Milton, não se pode negar que ele teve outros que o consagraram, pela voz, como Único. Quando Edu Lobo e Chico Buarque finalmente formaram uma parceria, em "O grande circo místico", Edu já trocara o violão pelo piano na confecção de melodias, saindo do limitado violão, que apenas baseava as limitações da sua voz, e encontrando outras alternativas mais ousadas, que porém fugiam do alcance tonal. Foi o que ocorreu com "Beatriz". Quem poderia cantá-la, nos moldes da partitura original, que apresentava, num fragmento, uma cascata de notas musicais ao longo de oitavas abaixo, do Soprano ao Barítono? Algumas cantoras tenores e sopranos também tentaram cantá-la, mas só ele conseguiu ligar o Céu, da nota musical mais alta, ao Chão, da mais baixa na composição - coisas de Edu e Chico - sustentando os tons nas durações de tempo previstas pelo Edu. Milton tinha o seu social "Clube da Esquina", mas também tinha lá seus caminhos únicos.
O Clube da Esquina (Lô Borges, Beto Guedes e o Bituca, entre outros) marcou e deixou em suas canções um gosto indelével do trem azul da história. Foram divisores de águas e quem não conhece deveria conhecer o Clube da Esquina, para ver a importância e a qualidade da obra. É um disco que deveria estar na prateleira de quem gosta e de quem conhece a boa música. É isso, Julio. Beijo.
Ouvi o disco "Clube da Esquina" ainda hoje: é como receber nos ouvidos o som da flauta de Orfeu. "Clube da Esquina" é, sem dúvida, o melhor trabalho de Milton Nascimento. A harmonia dos arranjos e a voz divina transformaram esse disco num clássico: obra obrigatória na estante de todo apreciador da boa música...