Digestivo nº 415 >>>
Para quem se cansou de assistir a filmes brasileiros sobre os recentes anos de chumbo, uma alternativa é Salvador, dirigido por Manuel Huerga... sobre os "anos de chumbo"... na Espanha — ou sobre a resistência à ditadura de Francisco Franco, nos anos 70, na Catalunha, mais precisamente em Barcelona. O longa, baseado no livro de Francesc Escribano, sobre Salvador Puig Antich, refaz a trajetória do jovem anarquista, que, depois do Maio de 68 na França, optou pela clandestinidade, virou motorista em assaltos a banco (para subsidiar as atividades do grupo MIL, Movimiento Ibérico de Liberación), terminou capturado numa emboscada da polícia, envolveu-se num tiroteio, acabou preso e condenado à pena capital pela morte de um guarda-civil. Salvador morreu aos 25 anos, em 1974, executado pelo "garrote", um instrumento de tortura medieval — que, empurrando uma barra de ferro contra a nuca do condenado, rompe sua coluna e, previsivelmente, causa morte cerebral (não instantânea). A reconstituição do episódio, que causou protestos no país e fora dele (na época), foi considerada melodramática em tela grande. Mas é certo que a cena da execução — numa adaptação que, nos demais momentos, lembra a estética de O que é isso, companheiro? — é uma das mais impressionantes dos últimos tempos. Embora radicais tenham reclamado de Salvador, e seus companheiros, serem retratados como "playboys", sem que explicações maiores sejam dadas sobre o uso da violência, Cannes aprovou e Salvador, por mais que falhe historicamente, funciona como um libelo contra a pena de morte. Talvez filmes sobre ditaduras, assim como filmes sobre o holocausto, sirvam para nos lembrar, periodicamente, sobre alguns horrores que, nem em tom de piada, deveriam voltar.
>>> Salvador (Puig Antich)
Bom o texto. Mas não concordo com a ideia de que estamos cansados dos filmes sobre os anos de chumbo no Brasil. Faltam muitos. Ainda não se fez um filme sobre Bacuri, morto barbaramente; ou sobre a morte da mulher de Stuart Angel Jones que teve seus seios arrancados e foi penetrada por um cassetete depois presenteado por um general a seu pai. É preciso mais memória, lembrar da conivência da classe média, de empresários, políticos, que financiaram e se beneficiaram financeiramente com a ditadura. Para que jornais como a Folha de São Paulo não sejam capazes de mudar a História ao afirmar em editorial que tivemos Ditabranda. Precisamos mostrar nos filmes que a Folha financiou, emprestou viaturas do jornal para transferir presos para a Oban e que seus jornalistas da editoria de polícia colaboravam com o delegado torturador Sérgio Paranhos Fleury. E lembrar que em países sérios os que empunham as armas para combater os golpes são considerados homens de bem.
Concordo com o comentário... Não canso de ver o filme, mesmo sabendo que toda visão cinematográfica é romanceada e polêmica. Todos aqueles que almejam um mundo mais justo, e um pouco menos ditatorial, se identificam com o tema...