Digestivo nº 426 >>>
Muita gente lembra de Paula Dip da televisão. Dos programas da TV Gazeta, como o TV Mix, que tinha também Sergio Groisman e Astrid Fontenelle (pré-MTV). Paula Dip, na verdade, foi a primeira apresentadora do Metrópolis da TV Cultura, quando ele ainda se chamava Panorama. E ficou célebre não só por causa da televisão, mas por outra razão talvez até mais nobre, sua amizade com Caio Fernando Abreu, que lhe dedicou cartas e contos. O escritor símbolo dos anos 80 teve igualmente passagens pelo jornalismo, mas cresceu, depois de sua morte (de Aids em meados dos 90), por causa de seus livros. O amigo de Paula virou um mito, nas letras brasileiras, assim como Cazuza e Renato Russo, no rock BR. Paula Dip, portanto, poderia ter retornado através da televisão, que a consagrou, e mesmo do jornalismo escrito, que praticou com competência, dividindo, por exemplo, a edição da revista do badalado Gallery com Antônio Bivar — mas preferiu celebrar a amizade com Caio, em livro, que sai agora, pela Record. Para sempre teu, Caio F. (sendo o "F." uma brincadeira que o próprio fazia com "Christiane F.") conta a história de duas décadas de amizade, do fim dos anos 70, e da virada para os 80, até a morte de Caio. Recheado de depoimentos de gente como Pedro Paulo de Sena Madureira e Luiz Schwarcz, virtualmente seus primeiros editores, Caio F. alterna a biografia do escritor com a da própria Paula, sem uma estrutura rigorosa, mas transbordando em vida e provocando uma leitura sôfrega (fazendo jus, aliás, ao personagem). Desde a saída de Porto Alegre até a convivência em São Paulo, Paula refaz a trajetória de Caio por comunidades hippies no Rio, temporadas na Europa, encontros com Clarice Lispector, Elis Regina e Hilda Hilst, entre outras aventuras. Caio F. não só escreveu, mas viveu intensamente — coisa que nem sempre escritores se lembram de fazer. O livro ainda vale por uma reconstituição cultural do Brasil recente (quando estamos tão mal acostumados a ler sobre o fim do século XX — preferindo, geralmente, o início ou a metade dele). Se já tinha deixado um legado de realizações importantes na TV e no jornalismo em revista, agora Paula Dip faz o mesmo em livro, registrando não só uma amizade histórica, mas um belo testemunho de sua geração.
>>> Para sempre teu, Caio F.
Muitos que passaram por este mundo trouxeram contribuições e partiram pra outros horizontes, longe das verdades científicas. Foram chamados de marginais, ou coisas assim, mas o importante é que deixaram para nós uma reflexão: somos o que somos e podemos mudar o mundo a partir do que pensamos ou agimos. A arte transcende as nossas podres ilusões terrenas e pouca gente identifica ou tende a entender isto.
Caio F. Abreu não separava a vida da escrita. É impossível escrever sem viver profundamente a própria vida e xeretar a dos outros. Todos os personagens de um escritor são o escritor, como ele queria ser ou foi ou será algum dia. Se tiver coragem em sê-lo... De certa forma, a escrita nos liberta de nós mesmos e viver as histórias que criamos torna-nos perfeitos, belos e imortais.