Digestivo nº 431 >>>
Se você não sabe qual das novas cantoras de música brasileira escolher, despreze olimpicamente a maioria delas e concentre-se na Céu. É provavelmente a única que não ficou presa no cânone da MPB dos anos 60, não se espelha obsessivamente na Marisa Monte dos anos 90 e nem tenta pegar o vácuo da ressurreição eletrônica da bossa nova nos anos 2000. Num momento em que até as velhas divas perderam o rumo — porque seus principais compositores perderam igualmente o rumo —, Céu traz uma nova proposta, inspirada no balanço do reggae e nas levadas do funk, na sofisticação do jazz e na tradição do melhor samba, com pitadas inteligentes de música eletrônica. Seu segundo CD, Vagarosa, soa diferente de tudo o que está aí, provocando um saudável estranhamento inicial até em ouvidos experimentados. Não apela para a batida fórmula de "voz e violão", não se entrega ao romantismo cafona das trilhas de novela e nem precisa do cansativo axé da Bahia para se sustentar. Céu não parece ter crescido no Brasil das últimas décadas — ao menos, musicalmente. Não há nela, por exemplo, nenhum ranço de Roberto Carlos (a efeméride mais caduca deste ano), Caetano & Gil (um não conseguiu se recuperar da separação; o outro, do MinC) ou mesmo Nelson Motta (depois de Noites Tropicais, todas as arrivistas sem talento querem fazer parte de sua biografia). Fora os horrores do sertanejo universitário, dos religiosos cantores e das dançarinas multi-uso — Céu também passa longe do mau gosto do Brasil das classes C e D. É a intérprete, e a compositora, que a gravadora Trama gostaria de ter lançado; que Maria Rita poderia ter sido (se tivesse um programa mais definido); e cuja independência as veteranas hoje almejam, porque Céu parece ter identidade própria, quando todo mundo navega ao sabor do vento. Nossa esperança é a de que, justamente, Céu não caia nas garras do mainstream, de um "padrinho" ou mesmo de uma major. Não podemos perder mais uma para o sistema (como já perdemos tantas)...
>>> Vagarosa
Classe C também é gente, também tem casta, e também ama Céu desde o primeiro álbum. Tá bom, não a grande maioria do povão. Mas mau gosto musical não é exclusividade dos "CDs"; "ABs" adoram aparecer em coluna social dançando as "velocidades do créu"... Eu aproveito os solavancos do busão pra balançar ao som de Céu.
Pois é, me intriga esse mesmo "mau gosto das classes C e D", está cada vez mais tomado das novas "divas" da MPB, vide enganações como Vanessa da Mata e Maria Rita. Concordo com tudo que foi dito aqui, assino embaixo. E já dizia: "deixa Tiê, Ana Cañas e Roberta Sá para lá, escuta Céu, somente Céu". Além dos arranjos, se deve destacar que ela inova na forma de cantar, além de ter um timbre diferenciado. Ótimo texto, mais uma vez.
Concordo também, mas quero colocar outro nome (outro estilo) que satisfaz a qualquer bom entendedor, que faz um trabalho profundo e inovador: Consuelo de Paula.