Digestivo nº 432 >>>
Em mais uma época de falta de vergonha na cara na política brasileira, desde o Senado até a Presidência da República, passando pela Câmara dos Deputados, vale a pena assistir Frost/Nixon, filme de Ron Howard, em DVD, que vem sendo justamente celebrado desde seu lançamento no ano passado. O longa retrata a luta de David Frost, um homem de televisão britânico, para entrevistar Richard Nixon, presidente norte-americano deposto, bem como para viabilizar o projeto e arrancar, do vilão, uma admissão de culpa. Num País em que ex-presidentes corruptos desfilam com altivez inabalável, e com o apoio incondicional de governantes em exercício, Frost/Nixon serve para mostrar que, mesmo quando existe absolvição (ou erro da justiça em punir), deve haver hombridade, para assumir erros e saber se retirar da cena política quando ninguém mais aguenta. David Frost, que não era uma especialista no assunto, e que permanece desacreditado na maior parte do tempo do filme, consegue, surpreendentemente, encurralar o hábil ex-presidente, em seu próprio discurso, confirmando que ele se achava "acima da lei" e exigindo, com exímia precisão de timing, uma retratação. Claro que os Estados Unidos da América dos anos 1970, quando se deu esse episódio, não combinam com o mesmo país de George W. Bush — alguém que, segundo se diz nos "extras", cometeu crimes tão graves quanto os de Richard Nixon, e que hoje desfila com a mesma altivez de nossos mandatários corruptos... De fato, alguma coisa se perdeu desde o ativismo do fim dos 1960 até a geração internet, que consegue, sim, eleger alguém como Barack Obama, e que, no Brasil, sabe promover linchamentos on-line, mas que não consegue se mobilizar, com a mesma eficiência, no mundo real... O problema dos EUA talvez seja o de simplesmente reacender uma chama esquecida; o problema do Brasil, porém, talvez seja mais grave, pois o nosso impeachment permanece "em aberto"; os nossos coronéis censuram e, ao mesmo tempo, posam como paladinos da democracia; enquanto o nosso poder executivo se reconcilia com todo esse passado como se risse de sua história, de seus eleitores e da opinião pública.
>>> Frost/Nixon
Frost não parece tão brilhante como entrevistador, a não ser a partir do momento que resolve realmente estudar o caso e se preparar adequadamente para entrevistar Nixon. Antes disso, ele passa por momentos até constrangedores diante de um Nixon seguro e articulado. Creio que o mérito de Frost foi mais preparo do que uma capacidade inata de decifrar seus entrevistados.