Digestivo nº 441 >>>
É possível ensinar alguém a escrever? O que define a verdadeira literatura? Existem regras, fórmulas ou preceitos que devam ser seguidos? Embora a arte não siga exatamente a lógica, nem, muito menos, o artista, Horacio Quiroga, narrador uruguaio contemporâneo de Borges, escreveu um decálogo, "dez mandamentos", para o "perfeito contista", que ficou famoso. Quem tem alguma familiaridade com literatura deve ter ouvido falar, por exemplo, do primeiro mandamento: "Crê num mestre — Poe, Maupassant, Kipling, Tchekhov — como na própria divindade". Ou, então, de belos trechos, como este (do terceiro): "Mais do que qualquer coisa, o desenvolvimento da personalidade é uma longa paciência". Ou, ainda, de achados como este outro (do quarto mandamento): "Ama a tua arte como amas a tua amada, dando-lhe todo o coração". Assim, o escritor Sergio Faraco e a jornalista Vera Moreira tiveram, neste ano, a boa ideia de reunir, num volume especial, além do célebre decálogo, os comentários de autores brasileiros contemporâneos, tais como Charles Kiefer, Cíntia Moscovich, Deonísio da Silva, Flávio Moreira da Costa, Jaime Prado Gouvêa, José Castello, Luís Augusto Fischer, Miguel Sanches Neto, Moacyr Scliar, entre outros. Portanto, ao longo das páginas, cada mandamento é submetido às observações de todos, produzindo novas pérolas, como esta: "Use as palavras como se tivesse de pagar para publicá-las". Ou como esta outra: "Busque sempre os ossos da linguagem, mas nunca os deixe à mostra". Ou ainda: "Literatura de peso se faz em silêncio". Logo, os dez mandamentos originais, que ocupam uma única página, se desdobram em quase 100 outras. O volume se completa, finalmente, com as biografias dos comentadores, com uma bibliografia recomendada (sobre o ofício de escrever), com uma cronologia do próprio Quiroga e com os perfis dos organizadores. Num tempo em que o número de pessoas que escrevem aumentou exponencialmente, graças à internet, guias como este Decálogo do Perfeito Contista podem ser de grande valia.
>>> Decálogo do Perfeito Contista
O livro é, em verdade, uma reedição do mesmo projeto editado nos anos 1990, pela Editora da Unisinos - dei a sorte de comprá-lo na Feira do Livro deste ano por apenas R$ 1,00! Mas a nova edição é interessantíssima, pois traz depoimentos de autores que surgiram nos últimos anos, na literatura gaúcha, como a Cíntia Moscovich.
Quando li que Borges era contemporâneo de Quiroga, não tive como não lembrar que ele detestava sua literatura. Imagino o que Borges ainda não pensaria de um decálogo como este... No recente livro "Borges" das inúmeras anotações de seu amigo Bioy Casares, existem criticas duríssimas a este autor uruguaio. Acredito que possa servir mais como inspiração para os escritores que comentam e acrescentam também sua experiência no tema.