Digestivo nº 459 >>>
Se a mídia brasileira demorou a aceitar o começo do fim dos jornais (em 2008) e a ascensão do Twitter (em 2009), parece mais disposta (em 2010) a falar da explosão do livro eletrônico. Prova disso é a reportagem de capa da revista Época Negócios que, pela primeira vez, reuniu todos os principais players do mercado editorial numa matéria só. Começando com Jeff Bezos, o pai do Kindle, passando pelos herdeiros das Organizações Globo, do Grupo Abril, do Grupo Folha, fora editores como Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, e autores como Paulo Coelho, o único brasileiro sob contrato exclusivo com a Amazon. Faltou, claro, Steve Jobs, falando sobre o iPad, mas sua ausência não chega a ser uma falha. Ao contrário dos jornalistas — que negam a queda de circulação dos jornais até hoje — os editores parecem mais bem informados e estão se preparando para as transformações, embora defendam, cada um, o seu lado. Roberto Irineu Marinho, por exemplo, não acha, ainda, que os jornais ou as revistas estejam ameaçados, nem os livros, mas, sim, as gráficas. Já Luiz Schwarcz afirma que sem editores — com os autores publicando diretamente — "a qualidade do livro vai cair(...), com consequencias nas vendas". Também Sônia Jardim, da Record, considera que, com preços tão baixos (dos livros eletrônicos), não será possível sustentar toda a cadeia produtiva das editoras nacionais. E Roberto Civita, naturalmente, prevê a digitalização rápida do "conteúdo noticioso" (jornais), mas nem tão rápida assim dos "meios" (revistas)... Época Negócios, com muita coragem, se posiciona: embora os anúncios estejam migrando do papel para a Web, eles não estão, necessariamente, se dirigindo para os sites da velha mídia. Ainda: cobrar por conteúdo não é a solução; numa pesquisa feita no Reino Unido, mais de 90% dos entrevistados não se dispôs a pagar por notícias on-line (em nenhum formato ou "device"). Se os editores tentam contemporizar — preservando ao menos seu próprio business — e Época Negócios adota o tom geralmente sóbrio, Paulo Coelho é a voz dissonante, e parte para o ataque: "Vi [entre as editoras] total desorientação"; "Não vendi minhas versões eletrônicas... As editoras não têm esse direito"; "Pediram meus livros eletrônicos... Não vou dar"; "Tentam criar, agora, um boicote contra as plataformas eletrônicas... Acho uma perda de tempo. Com 3 milhões de produtos para vender, a Amazon não está nem aí...". Sobrando até para o iPad de Jobs: "Não acredito no iPad(...) Trata-se de um iPhone grande(...) Não creio que se consiga ler numa tela que emite luz". Schwarcz, talvez sem querer, responde [falando de autores que, como Coelho, prescindiram dos editores]: "Ou o sujeito não entende o verdadeiro papel do editor em todo o processo ou é presunçoso a ponto de achar que pode prescindir de parceiros na edição". O fato é que, se as editoras se sentiam, até hoje, fora da "digitalização de conteúdos" provocada pela internet, agora não podem mais negar a mudança em curso. E se alguém duvidava que esse movimento chegaria ao Brasil, a reportagem de capa da Época Negócios acaba de dar a resposta...
>>> Época Negócios
O comentário vai atrasado, que seja. Achei muito instigante a discussão. Sou uma amante apaixonada pelos livros, pelo papel com que são feitos, pela tinta com que se se imprimem seus textos, pelo seu inebriante perfume. A cada vez que entro em uma livraria (e escondo-me cada vez mais dentro delas), saio de mim e do meu tempo, viajo por continentes inesperados e desconhecidos. E esse arrebatamento é comum a todos os que amam os livros, eu penso, porque advém das histórias que contam os livros. Não serei destituída de meu contentamento porque o papel mudou de forma e a leitura do que há no papel será feita mediante instrumentos outros, ou novas tecnologias e conceitos. O livro sempre existirá, enquanto existirem os homens, enquanto existirem histórias para contar ao redor do fogo, em noites claras de lua alta no céu, entre risos e espantos, depois de um longo e árduo dia de caça nas montanhas.