Digestivo nº 468 >>>
A música piorou muito. Correção: a música, que circula no mainstream, piorou muito. Com a ascensão do CD, e de estilos como "lambada", "sertanejo", "axé" e "pagode", nos anos 90, a indústria fonográfica vendeu como nunca e nivelou por baixo, como nunca também, a programação das rádios e as atrações musicais da televisão. Nos anos 2000, com a ascensão da internet e a falência do CD, as majors arranjaram a desculpa, que estavam há muito procurando, para não mais investir em qualidade, bajulando a ascendente classe C (da era Lula) e despachando os "medalhões" para os pequenos selos (relegando, ainda, os jovens talentos à obscuridade do Long Tail)... A saída, para quem quer evitar armações musicais da década de 2010, é não circular por ambientes públicos com música (mesmo praias), evitar, a todo custo, a frequência das principais FMs, fugir como o diabo da TV aberta e abandonar, inclusive, as seções culturais de revistas e jornais — que ou divulgam "todo mundo", sem nenhum critério ("procura-se críticos musicais"), ou dão o milionésimo destaque a Roberto Carlos e... Ivete Sangalo. Dado o presente estado de coisas, como introduzir uma criança na música de qualidade, se as velhas referências estão em ruínas e as novas não tiveram tempo ($) ainda para se consolidar? Para quem não quer se limitar aos Baby Einsteins da vida — que até fazem releituras interessantes, em marimba, de monstros como Bach, Mozart e Beethoven — existe, no Brasil, a coleção MPBaby, da MCD. Tudo bem, a nossa música não se restringe apenas ao cancioneiro a partir dos 60, mas "MPB", no caso, é menos um conceito fechado que uma sigla de fácil assimilação (por parte do consumidor). O volume dedicado ao forró, por exemplo, tem desde Luiz Gonzaga ("Olha pro céu", "Numa sala de reboco"), sem e com Humberto Teixeira ("Assum preto" e "Asa Branca"), até clássicos de domínio público, como "Mulher rendeira" e "Cai cai balão" ;-) Gilberto Gil, merecidamente aliás, não fica de fora, com "Lamento sertanejo", e nem Dominguinhos, com e sem Gil, em "Tenho sede". O resultado, muito cuidadoso, é propiciado pelo acordeom e pelos arranjos de Toninho Ferragutti. É óbvio que não vamos salvar as criancinhas, para sempre, do contato, inevitável, com a grande mídia decrépita da nossa época, mas não custa repetir que existem alternativas, mesmo em terrenos aparentemente perdidos, como o da música.
>>> MPBaby: Forró
A qualidade da música está associada à qualidade de quem ouve. Se não há um processo educativo voltado musicalmente nas escolas e nem nos grupos institucionais, como clubes de serviços, partidos políticos, centros culturais, não tam como haver um refinamento pra alguém afinar os seus ouvidos, compartilhando habilidade musical, qualidade de ouvinte ou de musicista.
Minha tese talvez seja muito previsível, simplória, pode ser redundante, mas penso que a decadência da música brasileira passa certamente pela imensa bocarra global, nossa Rede Globo de Televisão e seus subprodutos (Sistema Globo de Rádio e Somlivre). Esse poderoso processador, escorado na sua incrível e indiscutível penetração, simplesmente determina o que vai "acontecer ou deixar de acontecer" no Brasil. Minha idade me proporcionou vivenciar a colônia antes e depois da fatídica vênus. Estive de frente pro crime, vi nascer baluartes da música brasileira e também seu ocaso ponteado de silêncio e esquecimento. Presenciei épocas em que de maneira natural fervilhavam nas prateleiras 8, 9, às vezes até 10 lançamentos de discos, cada um mais palpitante do que o outro! E depois da bonança vieram o sertanejo, o axé, o pagode e os outros pobres etcéteras, para mim, tudo arquitetado pela sanha global.