Digestivo nº 474 >>>
Muitos filósofos acharam que tinham de escrever sua própria História da Filosofia. Ou dar sua versão da História. Uma das mais famosas, durante o século XX, foi a de Bertrand Russell. Escrita num inglês com laivos de latim, valorizava os antigos e os modernos, enquanto menosprezava a Idade Média. Russell não considerava filosofia alguém partir para a investigação com os resultados dados de antemão. E ter de conciliar investigação filosófica com verdades reveladas da religião. Aqui no Brasil, Marilena Chaui, nossa maior filósofa, está publicando, também, a sua história, que chega ao segundo volume agora. A filosofia, ao contrário da ciência, não é cumulativa, e sua história pode ser lida de vários pontos. Até porque muitos filósofos pretenderam inaugurar, do zero, uma nova filosofia. Chaui não é especialista em filosofia antiga, seu objeto de estudo, digamos assim, é Spinoza. Mas, neste volume, soube se apoiar sobre os ombros de profundos conhecedores, inclusive brasileiros, e atravessou, de maneira correta, o período que denomina "Escolas Helenísticas". Historicamente, são quase 400 páginas sobre a perda da hegemonia da Grécia, no mundo antigo, a ascensão de Alexandre, sua morte, e seu legado para o Ocidente, o helenismo. Embora considerado bárbaro, o jovem conquistador da Macedônia foi aluno de Aristóteles e fez questão de perpetuar a cultura da Grécia por onde passou. Graças a esse esforço, o Império Romano, e a filosofia que se desenvolveu durante seus séculos de dominação, até praticamente o cristianismo, é tributária do pensamento grego. A ponto de Hegel - Chaui observa - ignorar o período romano, afirmando que havia nele pouca investigação, tendo Roma produzido, no máximo, bons advogados e pensadores morais. Chaui, portanto, constrói a ponte, que vai desde Pirro, passando por Epicuro, pelo estoicismo grego, desembarcando na "filosofia que fala latim", de Cícero, e Lucrécio, até o estoicismo romano, de Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio, terminando com os céticos Enesidemo e Sexto Empírico. O neoplatonismo ensaiaria seus primeiros passos, e a revalorização de Aristóteles, durante a Idade Média, viria na sequência. Pode soar estranho, para nós, um período em que Sócrates era mais lembrado que os dois outros monumentos da filosofia grega. Ocorre que a Academia havia perdido sua força, também o Liceu, e o período de guerras sangrentas, que começou com a do Peloponeso, se alimentou das conquistas romanas e se encerrou apenas com a queda do Império, exigiu um outro tipo de filosofia. Nesse ponto, o estoicismo, a "sabedoria", o equilíbrio (interno, para além do mundo externo, que desmoronava) era a única saída. Numa época de tantos estímulos, tantas possibilidades, tamanhas mudanças, como a nossa, ler os estóicos é uma experiência, no mínimo, interessante. Nossa rotina de incontáveis tarefas, inúmeros compromissos, infinitas "oportunidades" lhes pareceria exasperante. Ou, diante da nossa aparente confusão, lançariam apenas um olhar frio, mantendo-se imperturbáveis e preferindo a indiferença a ter de argumentar com seres tão infelizes. Marilena Chaui nos permite "trocar uma ideia" com pensadores desse calibre, que já conheciam as principais questões da vida, antes de Cristo.
>>> Introdução à história da filosofia, volume II
A Marilena Chaui só se deixa ler para procurar peças de humor involuntário como "... a teoria da relatividade mostrou que as leis da Natureza dependem da posição ocupada pelo observador... para um observador situado fora de nosso sistema planetário a Natureza poderá seguir leis completamente diferentes". Aprender o que com quem escreve isso, a não ser a rir?