Digestivo nº 477 >>>
Ricardo Darín se converteu numa espécie de Chico Buarque do cinema portenho, arrancando suspiros, inclusive de fãs brasileiras, que revelam querer simplesmente ouvir sua voz, em blogs, depois de uma sessão de cinema, ou então que produzem interjeições, em microblogs, à simples menção de um seminu frontal. Brincadeiras à parte, Darín é um tremendo de um ator, como talvez o cinema brasileiro não tenha hoje (estamos falando, sim, do macho, branco, adulto). E nunca podemos esquecer que sua dobradinha com o diretor Juan José Campanella é responsável por grande parte da — senão por toda a — consagração. Quem esteve minimamente atento ao cinema argentino na última década, não deve ter se esquecido de O Filho da Noiva (2001) e Clube da Lua (2004). Por causa deles, Campanella foi parar no mainstream televisivo global e chegou a dirigir episódios dos concorridíssimos House e Law & Order. A sutileza de sua filmografia, aparentemente, não combina com o ritmo industrial de séries como as supracitadas. O que, possivelmente, deve ter provocado seu retorno, à Argentina, para rodar O segredo de seus olhos (2009). Darín é o fracassado típico, sensível, idealista, que as mulheres adoram, na teoria, e que tem uma vida, inicialmente, sem grandes emoções — quando resolve escrever um romance, depois de ter se aposentado. Para isso, recorre ao aconselhamento do quase amor de sua vida, Soledad Villamil, hoje uma juíza — quando a história efetivamente deslancha... Darín quer, com o livro, revolver um caso que investigou, no anos 70, e que permaneceu, até agora, sem plena solução. O longa, nesse ponto, se transforma num verdadeiro thriller, e somos, habilmente, arrastados por um crime bárbaro, seguido de morte, por um marido inconsolável, por um monstro que recebe indulto, da ditadura militar, por uma polícia corrupta, por uma justiça falha... Nesse labirinto, ainda há espaço para a bonita amizade entre Benjamin Espósito (Ricardo Darín) e Pablo Sandoval (o comediante Guillermo Francella); e, claro, para o romance, "platônico" de Darín com Irene Hastings, a personagem de Soledad Villamil. Com essa receita, O segredo de seus olhos levou o Oscar de melhor filme estrangeiro e vemos, na Wikipedia, a foto do elenco e do diretor, ironicamente, "comemorando" na Casa Rosada, ao lado de Cristina Kirchner. O longa conseguiu, ainda, ser o mais assistido da história do cinema argentino, desde Leonardo Favio, em 1975... E olhando para o lado de cá, na comparação, soa como piada que Lula, o Filho do Brasil tenha ido nos representar — ou tenha sido considerado — nessa mesma categoria da premiação. Enquanto os argentinos fazer sétima arte, flertamos com a nova classe média, sem sucesso, tentando, por tabela, enganar o mundo com uma peça de propaganda...
>>> O segredo de seus olhos