Digestivo nº 484 >>>
Depois da morte de Steve Jobs, só praticamente se falou na biografia escrita por Walter Isaacson (editada, no Brasil, pela Companhia das Letras). Mas, apesar de ser a única a contar com a colaboração do próprio Jobs, houve outras. Duas são as principais. A primeira, escrita por Michael Moritz, hoje um investidor, é, na realidade, uma "biografia" da Apple, até seu primeiro bilhão de dólares em faturamento (editada, no Brasil, pela Universo dos Livros). E a segunda, escrita por Alan Deutschman, sobre a "volta" de Steve Jobs à Apple, no final da década de 90. Portanto, qualquer pessoa que deseje entender o visionário do iPod, do iPhone e do iPad, não deve se restringir apenas ao retrato de Isaacson; deve complementá-lo com as visões de Moritz e Deutschmann. Return to the Little Kingdom alterna os primórdios da Apple, naquela garagem "proverbial", com o lançamento do Macintosh, o último grande projeto de Jobs (antes de ser "colocado pra fora", em 1985). Aparentemente, existem outros livros melhores sobre a criação do Macintosh ― menos centrados em Jobs ―, então a melhor parte de "Little Kingdom" é, sem dúvida, a fundação da Apple. Um dos grandes méritos do livro, aliás, é tirar Steve Jobs do centro de gravidade da empresa. Revelando, antes de mais nada, o tal "gênio" de Wozniak (mencionado na orelha do livro de Isaacson). Revelando, também, Mike Markkula, o primeiro investidor ("anjo", e segundo CEO) da Apple. E revelando, ainda, Michael Scott, o primeiro CEO da Apple. Steve Jobs aparece, mais, como o grande vendedor da Apple. Desde as "blue boxes" ("caixas" que faziam ligações telefônicas internacionais gratuitas), montadas por Wozniak, até o Apple I, cuja primeira encomenda foi de 50 unidades, até o Apple III, que foi um fracasso, passando pelo Apple II, que foi um marco da computação pessoal. Já Wozniak também aparece como "a primeira pessoa que eu conheci que entendia mais de eletrônica do que eu" ― a declaração, obviamente, é de Jobs ;-) Wozniak, igualmente, surge como aquele sujeito que queria ser apenas engenheiro da HP; enquanto Jobs nunca se viu como engenheiro, ainda que tenha passado pela Atari. E Mortiz, justamente, não esquece o Homebrew Club, uma espécie de confraria de amantes de tecnologia, reunidos em torno da universidade de Stanford, que planejavam transformar o mundo através da computação pessoal. Se a HP foi o primeiro emprego de Wozniak, o Homebrew foi seu primeiro "estágio". Fica, ainda, confirmada a lenda de que o pai de Wozniak, Jerry, não gostava de Jobs: ele achava que seu filho estava fazendo "todo o trabalho", enquanto seu amigo estava levando "metade do lucro", "sem fazer nada". (Futuramente, Wozniak, filho, reconheceria que todo grande engenheiro precisa de alguém de marketing, para inscrever seu nome na História.) A verdade é que, embora não se considerasse um "businessman" no início (tendo cogitado até ser monge), Steve Jobs se sentiu muito confortável, à medida em que a empresa crescia; enquanto Wozniak nunca se encontrou na "vida corporativa", tendo passado de "mago" a "maluco" (organizando até um festival de rock; já no final do livro). Antes da biografia "oficial" de Isaacson, Mortiz percebeu que estava sozinho, com biógrafo, e, de uns anos pra cá, decidiu complementar sua obra. Assim, além da história da Apple até seu primeiro bilhão, Little Kingdom traz um prólogo e um epílogo, com mais detalhes sobre a saída de Jobs, os anos da Apple "sem Jobs" e, finalmente, seu retorno à Apple, até, mais ou menos, a época de seu transplante de fígado, em 2009. Enfim, o gênio de Steve Jobs fica muito difícil de "alcançar", principalmente depois de iPod, iPhone e iPad, mas Return to the Little Kingdom pode nos ajudar a entender como ele se forjou, saindo quase da pobreza, hippie, até os 100 milhões de dólares, junto com a Apple, o maior fenômeno de lançamento na bolsa de valores desde a Ford Motor Company, em 1956.
>>> Return to the Little Kingdom: inglês | português