Digestivo nº 485 >>>
A notícia circulou no final do ano, mas calou fundo no mercado editorial e no mundo literário brasileiros. A Companhia das Letras sempre foi um exemplo de sucesso como empresa do ramo editorial, mas também de respeito como editora de qualidade ― que, no mínimo, revolucionou o projeto gráfico das produções editoriais brasileiras. "Antes de Luiz Schwarcz", um jornalista cultural uma vez disse, "os livros, no Brasil, praticamente não tinham capa". A aquisição de 45% pela Penguin já era um boato quando as duas editoras se uniram para lançar o selo Penguin Companhia, só para clássicos, em 2010. As consolidações, no mercado editoral brasileiro, já vinham acontecendo, mas a Companhia das Letras permanecia, como um exemplo de independência, no mar revolto da globalização de títulos. É possível, contudo, que a pressão do livro eletrônico tenha mudado, irreversivelmente, o cenário. Pela primeira vez, as editoras brasileiras sentiram o peso da Amazon e, num primeiro momento, recusaram-se a participar do Kindle. O preço de capa de, no máximo, 10 dólares, a divisão de royalties de 30% para a Amazon e um contrato "leonino" (palavras dos editores) fizeram com que as nossas editoras se juntassem em bloco e boicotassem as edições em português na Kindle Store. Em seguida, veio o iPad e as editoras não podiam, novamente, tapar o sol com a peneira: aceitaram participar do programa iBooks com títulos infantis. O fato é que os editores nacionais se sentiram ludibriados pelo Google Books e decidiram frear qualquer outro processo de digitalização, inclusive lançando seus próprios formatos eletrônicos, com valor muito próximo ao da versão impressa, para tentar não canibalizá-la (mas que geraram, na prática, recordes de reclamações em sites como Reclame Aqui)... Resumindo: todos os esforços para controlar o avanço dos formatos eletrônicos no Brasil não foram muito bem sucedidos; enquanto isso, o livro eletrônico seguiu avançando, constantemente, sobre o mercado de impressos nos Estados Unidos... Olhando para essa situação, a Companhia das Letras pensou estrategicamente e optou por se unir a um player global ― e a Penguin, além do poder de fogo, traz uma respeitabilidade mundial embutida. No supermercado dos títulos eletrônicos, as margens estão cada vez mais exíguas. Se o publisher não tiver "escala" para discutir com gigantes como Amazon, Apple e Google, terá de se conformar em ser um "editor de nicho". Para a cultura brasileira, a aquisição da Companhia das Letras dá o que pensar... Será que continuará sendo o nosso maior selo de qualidade, como o foi nestes últimos 25 anos? Será que continuará fazendo apostas em autores brasileiros como o fez, algumas vezes, pioneiramente? Ou será que terá de sucumbir à pressão dos best-sellers planetários? Abrindo mão do que seria mais significativo para a literatura do Brasil e investindo, pesadamente, em Harry Potters tunpiniquins, em Dan Browns dos trópicos? Ninguém tem as respostas agora, mas elas, em algum momento, serão dadas.
>>> Penguin compra 45% da Companhia das Letras
O futuro dos livros no Brasil me parece incerto. Há muitos escritores excelentes prontos para entrar no mercado, mas as editoras parecem estar atrás apenas de best-sellers americanos, ou ao menos pseudo-cópias nacionais, desgastando o nosso mercado nacional de escritores. É uma pena, mas espero que as coisas melhorem daqui pra frente...