Digestivo nº 486 >>>
John Lennon, mais de 30 anos depois, permanece como uma morte inexplicada. Mark Chapman, e as vozes que vinham não se sabe de onde, nunca convenceram direito. Pois David Leaf e John Scheinfeld resolveram fazer um documentário, esmiuçando a relação tensa de Lennon com os Estados Unidos. Qualquer pessoa que tenha lido algum texto biográfico sobre o ex-Beatle, sabe de suas dificuldades em se manter nos EUA com visto permanente. Leaf e Scheinfeld refazem o percurso em termos políticos. A má vontade com John Lennon remonta ao Bed-In, "For Peace", ao "Give Peace a Chance", às suas campanhas pelo fim da Guerra do Vietnã, à associação com ativistas políticos, culminando com a libertação de John Sinclair. Muita gente reputa essa "virada" à chegada de Yoko Ono. Leaf e Scheinfeld mostram que o engajamento de Lennon se intensifica com sua mudança para Nova York. Lá ele se reuniria com grupos como os Panteras Negras. John Lennon era músico, mas sua influência sobre a opinião pública obrigava os poderosos a rever suas decisões ― como no caso "Sinclair", que, depois da canção, e da reação das massas, obrigou a justiça a reavaliar uma sentença. Ingenuamente ou não ― pois não era um político profissional ―, Lennon era um rebelde nato e não tinha dificuldade em abraçar causas, e empunhar bandeiras. Numa entrevista, revela que se sentiu perseguido desde a escola, onde, apesar de brilhante, era indisciplinado e baderneiro. Em outro momento, quando tem seu visto de permanência negado, e fica à beira da deportação, revela, aos repórteres, que se sentia como se falando, novamente, com a "diretoria da escola". No fim das contas, obtém o famoso green card. E tem a felicidade de assistir ao nascimento de seu filho, Sean, no mesmo dia de seu aniversário. Yoko nunca havia visto John tão contente. Passam dias inteiros juntos, em família. Até que um leitor de O Apanhador no Campo de Centeio ― aparentemente um fã ―, pede um autógrafo para, em seguida, disparar e matar John. O resto é história. Contudo, na sequência do documentário, torna-se quase impossível não associar a perseguição do governo ao assassinato de Lennon, por um sujeito psicótico. Yoko Ono não duvida que seu marido tenha sido morto; os documentaristas, porém, não se alongam. Deixam a conclusão para o espectador. Afinal, ela soa muito pesada ainda hoje. (Mais de 30 anos depois...) Os Estados Unidos versus John Lennon foi lançado em 2006 e, no Brasil, recebeu grande atenção da mídia quando fez parte da Mostra Internacional de Cinema. O espectador comum, porém, não teve acesso ao DVD, que chegou atrasado, embora a polêmica se mantenha. Os anos 70, nos EUA, foram tão polarizados, em termos de política doméstica, como os 60, no Brasil. Aqui, é lugar comum, por exemplo, associar o silêncido, de décadas, de Geraldo Vandré, à repressão da ditadura. Ainda que nem Chico Buarque hoje admita ter feito "Apesar de Você" para o regime, relacionar episódios como esses ao "calor do momento" é como atribuir as iniciais de "Lucy in the Sky with Diamonds" às experiências dos Beatles com ácido. Leaf e Scheinfeld deixam sugerido que o presidente Nixon tinha interesse pessoal em acompanhar os movimentos do ex-Beatle. Logo, John Lennon era uma questão de estado? Atualmente ― quando até os manifestantes de outras épocas depuseram suas armas ―, custa, para nós, imaginar o que significa ter alguém ― mais popular que Jesus Cristo? ― contrariando os interesses do governo dos Estados Unidos. Julian Assange seria um discípulo à altura de John Lennon? "Steve Jobs contra os EUA" ― é possível imaginar isso? O documentário ainda conta com as presenças de "old contrarians" como Gore Vidal, Noam Chomsky e Tariq Ali. "Se ocorrer alguma coisa estranha conosco" ― teriam afirmado John e Yoko ― ", vocês não pensem que foi coincidência"...
>>> Os Estados Unidos versus John Lennon | Trailer