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Segunda-feira,
20/1/2003
A educação pela pedra
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 117 >>>
Por uma dessas fatalidades inexplicáveis, somos obrigados a ler João Cabral de Melo Neto ainda na adolescência. Como se não bastasse, "Morte e vida severina". Só depois de muitos anos o trauma pode ser enfim superado. Acontece que o autor é quase a antipoesia, o caráter estoicamente avesso à música, a contenção historicamente rara em nossa língua - ou seja: como querer que ele se faça compreender por leitores na mais tenra idade, embalados que estão pelos seus hormônios? Ciente desses desacertos todos, a Nova Fronteira lança a série "Novas Seletas" e dedica um volume inteiro a João Cabral de Melo Neto. Com muita inteligência, o organizador, Luiz Raul Machado, pinça os poemas cuidadosamente, justificando sua importância, montando um pequeno léxico, num crescendo de sofisticação e complexidade - para, aí sim, terminar com "Morte e vida severina", na íntegra e sem cortes. São pouco mais de 100 páginas, atendendo à escassez de tempo e às múltiplas solicitações audiovisuais da nova geração. Lá estão os galos, em "Tecendo a manhã", os meandros da escrita, em "Catar feijão", o primor de observação, em "O ovo de galinha", a opção pela matéria, em "O engenheiro", e a vivência na Espanha, em "Sevilha e o progresso". Sempre apontado como um dos maiores poetas do século XX, João Cabral de Melo Netto é menos lembrado que Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade - graças à sua posição antilírica, ao seu repúdio a toda forma de inspiração e à sua persistência, heróica, em nunca se colocar como centro das atenções. Seu estilo, absolutamente livre do supérfluo e do alegórico, deveria servir de modelo para os nossos escrevinhadores: o advérbio é quase proibido; o adjetivo, trocado pelo substantivo; o artigo, sempre que possível, regiamente eliminado. O resultado dessa operação é uma poesia incisiva, objetiva, direta. Não há rodeios, não existem prelúdios ou perorações, a conclusão é inerente a cada verso - como se o texto pudesse ser interrompido, e a tensão suspensa, a qualquer momento. Numa época em que todos temos de ser minimamente lisonjeiros, para com o consumidor, João Cabral de Melo Neto não deve despertar as simpatias mais exaltadas - mas continuará transcendendo os séculos.
>>> Novas Seletas - João Cabral de Melo Neto - 120 págs. - Nova Fronteira | O ovo de galinha
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Julio Daio Borges
Editor
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