DIGESTIVOS
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Sexta-feira,
17/9/2004
The Bell Jar
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 193 >>>
Margaret Atwood escreveu que, em todo concurso de poesia, para cada 100 inscritos, sempre aparece uma meia dúzia de gente insana e brilhante. Talvez seja essa a imagem que as pessoas comuns têm de um poeta. A imagem, de alguma forma, projetada pelo filme “Sylvia” (2003), sobre a poetisa americana Sylvia Plath, com Gwyneth Paltrow no papel principal (agora em DVD). O longa quase não foi visto nas salas brasileiras e, ao contrário da imprensa americana que partiu para a crítica, a imprensa daqui preferiu o silêncio. Ou a falta de assunto (de outros lançamentos). E, realmente, “Sylvia” não é brilhante, embora invista pesadamente numa mulher insana. Num casal doente, para dizer o mínimo de Ted Hughes, o marido da autora do “The Colossus” (1960), vivido por Daniel Craig, razoável no papel. A mensagem subliminar parece ser: dois doidos literários, quando se juntam, podem não durar muito tempo, como dupla, mas se compreendem perfeitamente. Ao menos, é o que se depreende de Al Alvarez (Jarred Harris), amigo dos dois, que, num dado momento, afirma invejar o entendimento que Sylvia e Ted alcançaram como casal. Será? No filme, não parece. No filme, também, eles escrevem pouco; ou quase não escrevem. Trocam os textos de próprio punho por declamações exaltadas, como a de Sylvia recitando Chaucer para vacas placidamente no pasto; ou como a de Ted invocando Yeats, num seminário para as alunas da mulher. O cinema americano igualmente tem mania de mostrar que os “gênios indomáveis”, desta e de outras gerações, são ávidos por algum tipo de competição. Mental, obviamente. Então: ou jogam xadrez freneticamente; ou entram em torneios estéreis demonstrando conhecimento livresco. Ou, como nesse “Sylvia”, vomitam estrofes à toda velocidade, reunidos num buraco escuro, possivelmente à base de algum aditivo químico. Qual o sentido disso? Mostrar que os artistas também andam em grupo e que também prezam a competição? Deve ser o que os americanos, do norte, tomam por “brainy”... Enfim, “Sylvia” não vai despertar a simpatia dos desinformados; muito menos a simpatia de quem já a conhece. Aos primeiros, vai afugentar; nos últimos, vai provocar desgosto. Vale não para quem quer escrever, mas para quem quer alimentar o recorrente mito do escritor desequilibrado.
>>> Sylvia
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Julio Daio Borges
Editor
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