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Cinema
Segunda-feira,
16/6/2014
Cinema
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 501
>>> Blue Jasmine, de Woody Allen, com Cate Blanchett
Desde os anos 90 que Woody Allen alterna filmes "pastelão" com outros de humor mais denso, como Vicky Cristina Barcelona (2008), e até tragédias involuntárias, como Match Point (2005). Blue Jasmine (2013), com Cate Blanchett, é do último tipo, por isso merece atenção. Se se for observar o roteiro, o filme tinha tudo para cair no velho pastelão. Ex-socialite falida vai morar com a irmã pobre que sempre esnobou e tem de se adequar à nova realidade, que, naturalmente, é trágica e cômica. Cate Blanchett não é engraçada. Mas isso, para nós, é uma dádiva. Blue Jasmine ganha uma profundidade inesperada, justamente, por sua causa. "Jasmine", no caso, é o novo nome de Jeanette, que tinha vergonha de suas origens. Ao contrário da irmã Ginger, que continuou na Califórnia, Jeanette tinha mania de grandeza, casou-se com um homem de negócios, Hal Francis (Alec Baldwin), e ascendeu à alta burguesia de Nova York. Mulherengo incorrigível, contudo, Hal é denunciado pela própria esposa (farta de suas traições), termina preso e quebrado, suicidando-se na prisão. Cercada por dívidas, Jasmine perde tudo, inclusive as "amizades", e tem de recomeçar na Califórnia, com a irmã de criação. O fracasso não é um tema recorrente, no cinema, ainda mais se não for uma histórica edificante. Jasmine, ou Jeanette, é tão patética, em suas crises, em seus monólogos, em suas tentativas de adequação, que até chegamos a torcer por ela, em alguns momentos... Para que se reabilite, como um ex-viciado que tem de abandonar seus paraísos artificiais. Mas não é fácil... Um belo dia, apesar de tudo, Jeanette encontra um pretendente numa festa. Um homem mais jovem, em ascensão, que precisa de uma mulher, vivida, para abrir-lhe as portas da alta sociedade. O romance engata, mas, envergonhada, e querendo esquecer o passado, Jeanette mente, deslavadamente. Não demora, o passado vem à tona, na forma de um velho cunhado, o "ex" de Ginger, cujas economias o marido de Jasmine havia transformado em pó. Jeanette havia escondido até um enteado. E o pretendente não quer saber de perdoá-la: rompe a ligação. Três performances, no filme, são brilhantes. Quando Jasmine descobre as traições do marido, ou decide finalmente acreditar nelas, e o confronta. Depois, quando, em sua nova vida, tentando trabalhar como secretária, Jeanette é assedia pelo chefe, um dentista nerd, chato e repugnante, e tem de se desvencilhar à força. Por último, quando, face a face com suas mentiras, desmascarada pelo novo futuro marido, é abandonada no meio da rua, no calor de uma discussão. Perder tudo, em matéria de capitalismo hoje, é perder a própria honra. Preferível perder a vida? Hal Francis não tem dúvida e se suicida. Enquanto que Jasmine, sentindo-se vítima, prefere a morte em vida. Existe vida após a morte? E depois da bancarrota? São questões incômodas. Blue Jasmine, a "triste" Jasmine, nos lembra dos limites da vida, e da vida material.
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>>> Blue Jasmine
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Digestivo nº 499
>>> Em Busca da Terra do Nunca... e Johnny Depp
É sintomático que Em Busca da Terra do Nunca, que completa dez anos em 2014, tenha ficado como um ponto de inflexão na carreira de Johnny Depp, que tenta passar de um ator juvenil, ou até infantil, para um artista adulto, ou sério. Para quem não sabe, Finding Neverland, o título em inglês, conta a história do autor de Peter Pan. J. M. Barrie é um fracasso de bilheteria, como dramaturgo, até descobrir uma família pela qual se apaixona. Casado, tem admiração pela viúva dessa família (no filme, Kate Winslet), o que prejudica seu próprio casamento, mas são as crianças que o inspiram a criar um personagem que nunca envelhece. No longa, aquele homem alheado, que passava as tardes com filhos que não eram seus, em brincadeiras aparentemente sem futuro, revela-se um artista sensível, maduro, culminando, como não poderia deixar de ser, com um sucesso de bilheteria, e com respeito social. Seu casamento termina, a viúva igualmente falece, mas, além da consagração de Peter Pan, o protagonista acaba se realizando, ao dividir a tutela das crianças com sua avó materna. Depp que, acredite ou não, fez sua estreia em A Hora do Pesadelo (1984), teve uma passagem por Platoon (1986), mas acabou se consagrando com Edward Mãos de Tesoura (1990), que se não for um filme infantil, está muito perto de ser. Foi adolescente em Gilbert Grape (1993) e tentou ser sério em Ed Wood (1994), mas não foi dessa vez. Abriu alas para Marlon Brando em Don Juan DeMarco (1994) e quis ser sério, novamente, em Donnie Brasco (1997). Começou a amadurecer, talvez, em Medo e Delírio (1998), onde descobriu Hunter S. Thompson. Mas rendeu-se, outra vez, ao infantojuvenil em A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça (1999), ao juvenil em Chocolate (2000) e ao declaradamente infantil em Piratas do Caribe (2003), que se converteu numa franquia. Se os anos 2000, portanto, seguiriam dominados pelos Piratas, em 2006, 2007 e 2011, 2004 acenou com Terra do Nunca; 2010, com Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton; e 2011, com Diário de um Jornalista Bêbado (Hunter S. Thompson, de novo, em produção sua). A ponto de o personagem de Depp em Cavaleiro Solitário, um blockbuster da Disney, ser muito menos "tonto" que seu nome indica. Ou seja: a meia-idade fez bem a Johnny Depp. Já 2016 acena com Through the Looking Glass, a continuação de Alice (infelizmente sem Tim Burton). Mas 2016 também acena, como não poderia deixar de ser, com outro Piratas do Caribe, o quinto. Qual Johnny Depp vai prevalecer? Se tudo falhar, ainda lhe resta a música. Depp, para quem não acredita, já tocou guitarra numa banda com Gibby Haynes, o cantor dos Butthole Surfers, Flea, o baixista dos Red Hot Chilli Peppers, e Steve Jones, sim, o lendário guitarrista dos Sex Pistols. E se mesmo a música não lhe trouxer alívio, há, ainda, seu lado restaurateur: Man Ray, que dividiu com Sean Penn e John Malkovich, funcionou como bar e restaurante em Paris, no endereço de um antigo cinema. A verdade é que Depp, além de tudo isso, tem seu lado pai: agradeceu ao hospital que salvou sua filha da morte com uma doação milionária e com uma tarde fantasiado de Jack Sparrow, contando histórias para crianças doentes. Quem sabe, a "chave" para a maturidade de Depp esteja em sua paternidade ― que, por sua vez, o joga, de volta, nos braços das crianças e jovens nos filmes. Enfim, Johnny Depp, maduro ou "imaturo", permanece um enigma.
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>>> Em Busca da Terra do Nunca e Johnny Depp
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Digestivo nº 498
>>> Django Unchained, de Quentin Tarantino
Depois da abordar um dos momentos mais controversos da história recente ― a Segunda Guerra Mundial ―, Quentin Tarantino decidiu retroceder séculos, em vez de décadas. Django Unchained igualmente "brinca" com a reconstituição histórica. Brinca, entre aspas, porque o assunto, novamente, é sério. Se em Bastardos Inglórios, Tarantino aborda o nazismo, e o antissemitismo que redundou em holocausto, em Django fala da escravidão, do racismo e de guerra civil. É sempre questionável o papel do cinema, principalmente do cinema de ficção, na reconstituição histórica. "It's just a movie", como os americanos dizem, serve tanto para criticar quanto para absolver um filme. Ainda que todo mundo saiba da ambição "histórica" do cinema americano; de como os norte-americanos se vêem em tela grande; e de como essa "representação" é importante para a autoimagem da nação... O gênio de Tarantino não está em sua erudição em matéria de História, digamos assim. Talvez em sua erudição em matéria de história do cinema; ou em matéria de cultura pop. Tarantino é um mestre da forma. E cinema, no dizer de Millôr Fernandes, talvez seja mormente edição. Logo, o aspecto eminentemente histórico pode até gerar boa discussão, mas não é o mais importante. Pulp Fiction está completando 20 anos e é, no mínimo, significativo que aquele "rato" de videolocadoras, convidado trapalhão de festivais de cinema, consumidor de "ficção barata", tenha rompido a barreira do underground ao mainstream, passando de uma narrativa não-linear, metalinguística, com ídolos esquecidos dos anos 70, para uma produção épica, com bases históricas, metalinguística ainda, mas com astros entre os mais requisitados, como Brad Pitt e Leonardo DiCaprio. Se Kill Bill é sua primeira obra-prima de longa duração desde Pulp Fiction e Cães de Aluguel, Django é sua primeira obra-prima sobre grandes questões da humanidade, digamos (ainda que a precisão histórica não seja uma ambição). Bastardos Inglórios é um grande filme, mas, nele, Tarantino soa como um "arrivista" querendo reescrever a história da Europa. Apesar de Christoph Waltz, acaba produzindo uma caricatura da atuação da Alemanha na Segunda Guerra. E, por causa de Brad Pitt, acaba produzindo uma caricatura, inclusive, da participação americana no conflito. Em Django, contudo, não soa caricato seu retrato dos sulistas, escravocratas, que perderam a Guerra de Secessão. E, apesar de Spike Lee, a representação do negro americano é não apenas respeitosa, mas compassiva e, na reviravolta da história, até engrandecedora. Lee achou que Tarantino não deveria misturar escravidão com spaghetti western, porque aquele momento histórico, justamente, não foi uma comédia, e, sim, uma tragédia. Enfim... Outra crítica questiona a existência das "mandingo fights", que transformavam escravos em gladiadores (um contrassenso, uma vez que um escravo era um "bem", um "patrimônio"...). E outra, ainda, aponta imprecisão ao evocar Ku Klux Klan uma década antes de sua primeira aparição... O fato é que esgotado o veio de Pulp Fiction até Kill Bill, Tarantino abriu uma nova avenida com Bastados Inglórios e Django Unchained. A questão é se ele aguenta a controvérsia, a polêmica e a repercussão, ao lidar com temas extremamente delicados ao gênero humano (mesmo que reescrever a História não seja sua maior preocupação...).
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>>> Django Unchained
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Digestivo nº 497
>>> Philip Seymour Hoffman (1967-2014)
Philip Seymour Hoffman. Que desperdício. Que morte estúpida. Que talento. Que tragédia. Cada um tem a sua lembrança do gordinho bonachão que esteve à altura de Truman Capote e, no teatro, de Eugene O'Neill. Mas Philip Seymour Hoffman se lançou ― quem diria? ― em Perfume de Mulher, com Al Pacino, em 1992. Em 1994, teve uma participação em O Indomável, com Paul Newman. Mas começamos a lembrar dele a partir de Boogie Nights (1997) e O Grande Lebowski (1998). Em 1999, participou do controverso Magnólia e de O Talentoso Ripley, onde sobressaíram Matt Damon e Jude Law. Dividindo, ainda, espaço com Robert DeNiro, em Ninguém é Perfeito (Flawless). Começou a ter os seus momentos de brilho em Deu a Louca nos Astros (uma tradução ruim para State and Main, de David Mamet) e no inesquecível Lester Bangs de Quase Famosos, ambos de 2000. Não deixou de participar de bobagens como Quero Ficar com Polly (2004), mas foi deslumbrante em Capote (2005), que lhe garantiu o Oscar de melhor ator. Não resistindo ao canto da sereia de Missão Impossível 3 (2006), teria um grande papel em Dúvida (2008), confrontando Meryl Streep. Jogos do Poder, também de 2008, vale pela sua caracterização de Gust Avrakotos (embora tenha ficado datado pós-Bush). Talvez saudoso de Bangs, se entregaria a um quase revival em Os Piratas do Rock (2009) e, ultimamente, falam muito de suas performances em Jogos Vorazes (Em Chamas, de 2013, e A Esperança ― Parte 1, de 2014, a última). Tudo pelo Poder, de 2011, foi interessante antecipando a reeleição de Obama. E de 2011, ainda, foi elogiado O Homem que Mudou o Jogo (Moneyball), com Brad Pitt. Não é uma filmografia desprezível para um ator que se foi aos 46 anos. (No total, desde 1991, foram mais de 50 títulos.) Philip Seymour Hoffman pegou Hollywood antes da crise do DVD (virada do milênio), da pirataria, sobrevivendo ao Blu-ray (fim da década dos 2000), à era das séries de TV e ao futuro via streaming. Sua morte tem um quê de acidental e a tentação é relacioná-la à de Heath Ledger (um talento ainda mais breve e precoce). O fato é que não se imaginava um ator consistente, onipresente e bem-sucedido ― até "família" ― dependente de heroína. O preço da fama? Ou, no caso dele, da glória? Nossos heróis continuam morrendo de overdose. E, no horizonte, não há substitutos. Philip Seymour Hoffman nunca seria um galã, nunca esteve "em forma" e talvez por isso era tão interessante como "tipo". Nos privou de sua vída íntima (no limite do possível). E não nos brindou com "polêmicas". Mimi O'Donnell, mãe de seus três filhos, é totalmente low-profile. Nem tudo são celebridades, afinal. Já sentimos falta de Philip Seymour Hoffman.
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>>> Philip Seymour Hoffman
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Digestivo nº 492
>>> Caro Francis, documentário de Nelson Hoineff
Paulo Francis deixou um buraco na imprensa brasileira, que nunca mais foi preenchido, desde sua morte há 16 anos. Além do perfil de Daniel Piza, houve alguns "ensaios" de biografia, mas nada muito representativo. Houve, ainda, reedição dos livros do próprio Francis, até a publicação de um inédito, para variar, polêmico. Biógrafos de porte no Brasil não creem que Franz Paul Trannin da Matta Heilborn renderia uma biografia, mas Nelson Hoineff dedicou ao titular do Diário da Corte um documentário. Caro Francis, embora anunciado nos primeiros anos da década de 2000, só estreou em 2009. E, agora, está disponível na internet. Como o roteiro tem a colaboração de Daniel Piza, o foco é no chamado "late" Francis: o "de direita", colunista de O Estado de S. Paulo e de O Globo, comentarista da TV Globo e fundador do programa Manhattan Connection. Ainda que Caro Francis dê algum espaço para o admirador de Trótski, que foi preso durante a ditadura e que fundou O Pasquim, o documentário consagra a ideia de que Paulo Francis morreu no auge da carreira, depois da conversão ao capitalismo, da adesão às Organizações Globo e do beneplácito de Roberto Marinho. São novidade os depoimentos de Boris Casoy nesse sentido. Também as histórias de Hélio Costa, que ajudou a construir a personagem do comentarista do Jornal da Globo, que rendeu imitadores como Chico Anysio. Surpreende, ainda, a presença de Fernanda Montenegro, evocando o jovem crítico de teatro (que ofendeu Tônia Carreiro, para, na maturidade, se arrepender e se retratar mais de uma vez). A conclusão de Caro Francis é triste, e se perde um bom tempo com o processo que, na versão de muitos, levou-o à morte. Outra novidade é o depoimento de Joel Rennó, na época presidente da Petrobras, que moveu o clamoroso processo contra o jornalista nos Estados Unidos, no valor de 100 milhões de dólares. Pensando assim, quem ― senão um bilionário ― não morreria do coração ao sofrer um processo desse vulto? Destaca-se, também, a justificativa do médico pessoal de Francis, Jesus Cheda, que, na pressa de voltar ao Brasil para o Carnaval, diagnosticou uma bursite, quando o jornalista estava virtualmente infartando. Há espaço, ainda, para Caio Túlio Costa, então ombudsman da Folha, cujas observações levou Francis a romper com os Frias e debandar para o Estadão... No que se refere ao "late" Francis, o documentário é, portanto, bastante completo. Sonia Nolasco encerra com as declarações mais pungentes, sobre os últimos momentos de Francis, antes da chegada dos paramédicos (ainda que reconheça ter aceitado a morte, finalmente, depois de mais de sete anos). Paulo Francis mereceu um revival, nos últimos tempos, com um especial do GNT, no ano passado, o lançamento de uma coletânea de seus artigos na Folha e uma matéria, no mesmo jornal, sobre o futuro de sua biblioteca, que continua intacta em Manhattan. Numa entrevista reprisada por ocasião da morte de Ivan Lessa, o filho de Elsie e Orígenes Lessa, relembrou, mais uma vez, Paulo Francis, por insistência da Alberto Dines, no Observatório da Imprensa. O grande desafio de Franz Paul Trannin da Matta Heilborn é, como sempre foi, conquistar as novas gerações, quando não mais está diariamente no Jornal da Globo, semanalmente no Manhattan Connection, às quintas e aos domingos no Estadão e n'O Globo. Quando os próprios jornais estão ameaçados no Brasil, sobreviver, para qualquer jornalista ― vivo ou morto ― é um desafio e tanto.
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>>> Caro Francis
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Julio Daio Borges
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