"Para mim, o presente demonstra a tremenda contemporaneidade de Franz Kafka ― a terrível visão que ele, com sua sensibilidade de artista, teve do futuro. Afinal, o que são os campos de concentração senão a materialização do pesadelo kafkiano? E as guerras que se seguiram (e estão aí, até hoje)? As faxinas étnicas, a fome, a violência, o fundamentalismo (venha de onde vier)... ― enfim, toda essa barbárie que nos rodeia e apavora?"
1. Kafka morreu quase anônimo, embora sua literatura o tenha consagrado como um dos maiores autores do século XX. Na sua atual biografia romanceada de Kafka, como fez para harmonizar o homem de vida pacata com o escritor de inesgotável imaginação?
A vida pacata e burguesa de Kafka estava só no exterior... Mas que imenso mundo dentro de sua cabeça! Algo que o torturava e que ele só extravasava por meio da literatura. Sua vida interior era tão densa e criativa que gerou incontáveis estudos. À medida que estudamos Kafka, mais e mais nos enredamos nos seus diversos aspectos: psicológico, social, religioso etc. Sua obra não cabe em nenhuma escola literária ou "categoria". Ele abrange e supera todas... Cada vez que relemos um conto ou romance, novos significados se revelam. É um trabalho sem fim, e apesar de ter lançado recentemente Kafka e a marca do corvo, não consigo parar de estudar o autor... Quase tenho vontade de reescrever meu livro!
2. Modesto Carone, nosso melhor tradutor de Kafka, diz que, para alguns estudiosos da produção kafkiana, o escritor transformou a opressão que sentia do pai na "burocracia opressora" de romances como O Processo. Carta ao Pai é um exagero literário ou valeu a pena, em certo sentido, sofrer para escrever como Kafka?
No meu entender, a burocracia opressora na vida do autor vem desde as normas impostas pela família, especialmente o pai, e também pelas escolas rígidas, pela faculdade de Direito (que seguiu contra a vontade), pelo trabalho (para o qual não se sentia vocacionado, apesar de desempenhá-lo com muita eficiência), pela necessidade de se casar e de constituir família (em oposição ao medo do compromisso) ― enfim, pela "vida regrada" que se esperava de alguém da sua classe social... Tudo isso lhe causava ojeriza. Para a nossa sorte, Kafka transpôs essa ojeriza para a literatura, produzindo obras como O Processo e tantas outras...
Já Carta ao Pai é um monumento literário, uma autobiografia, sem que, aparentemente, esse fosse o objetivo do autor... É um grito desesperado, um desabafo tormentoso, de um filho em busca do pai ― mas escrito de forma brilhante. (Peço desculpas pela adjetivação excessiva, mas ao falar de Kafka só penso em adjetivos e superlativos!)
3. Eu considero que Kafka teve uma existência realmente sofrida, para não dizer trágica, embora tenha produzido como um deus... E você vem de outro livro trabalhoso, que foi Morrer em Praga, sobre um amor, igualmente, trágico... O que essas duas realizações te trouxeram em termos de amadurecimento, como escritora?
Morrer em Praga é um livro também biográfico baseado na vida de J.B. Gelpi (co-autor), que forneceu dados, e escritos em estado bruto, sobre suas experiências desastrosas ― as quais culminaram na morte de uma jovem tcheca... Eu transformei essa história num romance. Foi, sem dúvida, um trabalho enriquecedor, pois escrevi em primeira pessoa, como se adotasse a persona do biografado ― que, por sinal, teve uma existência conturbadíssima...
Mas Kafka foi uma experiência única: um mergulho na angústia, na depressão, na culpa, nas frustrações, na doença e, principalmente, na obra de um dos maiores escritores de todos os tempos. Ninguém passa impunemente três anos estudando, e escrevendo, sobre Kafka. Se o trabalho é feito com dedicação e seriedade ― como no meu caso ―, o amadurecimento vem por si só...
4. Kafka dizia preferir os livros perturbadores. Numa época como a nossa ― em que os consumidores querem ser adulados o tempo todo (vide a autoajuda) ―, como apresentar, principalmente no Brasil, um autor que não tinha uma visão esperançosa do mundo e que, com sua percepção bastante aguda, previu horrores como o holocausto?
Se você observar, nas bancas de revistas, verá o olhar penetrante e inconfundível do Gênio de Praga ― em títulos de revistas, e de livros, voltados a literatura. É bem verdade que grande parte dos leitores ― num País em que pouco se lê ― prefere literatura "ligeira", best-sellers ou mesmo fórmulas de "bem viver", ditadas por um guru qualquer...
Porém, o número de livros que vêm sendo publicados sobre Kafka ― inclusive em edições populares ― nos faz pensar que, felizmente, há mais coisas entre o céu e a terra... Para mim, isso demonstra a contemporaneidade de Kafka, da terrível visão que ele, com sua sensibilidade de artista, teve do futuro. O que são os campos de concentração senão a materialização do pesadelo kafkiano (como digo, aliás, na introdução do meu livro)? E as guerras que se seguiram (e estão aí, até hoje)? As faxinas éticas, a fome, a violência, o fundamentalismo (venha de onde vier) ― enfim, toda essa barbárie que nos rodeia e apavora?
5. Admiro sua disposição em participar de eventos, divulgando, incansavelmente, seus livros e suas realizações como escritora. Kafka morreu quase inédito, e não iríamos conhecê-lo se não fosse por Max Brod, amigo que o desobedeceu (e que, justamente, não queimou sua obra). Kafka, se vivesse hoje, teria de mudar seu temperamento, ou morreria quase inédito, mais uma vez?
Se um escritor hoje não se dispuser a participar de eventos de divulgação de sua obra, morrerá desconhecido ― junto com todo o trabalho e a frustração de ver naufragar um projeto de vida...
Quando se escreve, se quer compartilhar naturalmente o resultado. (Assim como em qualquer arte.) Nunca vi um pintor que escondesse um quadro ou um músico que tocasse apenas no quarto. (A menos que tenha muito medo da crítica, ou do julgamento dos demais...)
O mesmo acontece com a escrita: tanto trabalho é feito na elaboração de um livro. Primeiramente pela necessidade de escrever (e, óbvio, pelo prazer pessoal). Mas, depois, porque a obra tem de seguir seu caminho: sair das mãos do criador e ganhar vida independente.
Kafka, por exemplo, ficava frustradíssimo quando não conseguia publicar um livro! E só teve a sexta parte de sua obra editada em vida... Mesmo assim com a ajuda de Max Brod, que o apresentava a editores... Ele procurava divulgar sua obra, sim! Tanto é que fazia "leituras públicas" com certa regularidade ― causando, inclusive, mal-estar na plateia... Quando leu Na Colônia Penal, algumas senhoras se retiraram, e pelo menos uma delas desmaiou...
6. Vi você na televisão, falando sobre Morrer em Praga, com a participação de João Baptista Gelpi, que te chamou para escrever o livro a quatro mãos. Neste seu Kafka, você frisa que quis ser totalmente fiel à história, apesar da disposição em romanceá-la. Descrever a realidade é sempre um bom desafio para um ficcionista?
Escrever biografias, sim ― especialmente quando se trata de um autor como Kafka. A ideia de fazer um "romance biográfico" foi um desafio que me custou muitas noites de sono.
Teses, biografias e estudos sobre o autor existem aos milhares, mas escrever um romance sobre sua vida, sem falsear os fatos, acho que o meu é o único caso...
Sendo um romance, tinha de haver um narrador e, claro, diálogos. Mas eu não queria colocar quaisquer palavras na boca de Kafka... Até que me ocorreu montar situações na qual ele falava diretamente com sua família, com seus amigos, parentes etc. ― usando o que já constava do seu vasto material epistolar, nos Diários e na recorrente Carta ao Pai.
(Até mesmo as expressões que o pai costumava usar, para intimidar os filhos, e os empregados, foram reproduzidas em forma de falas...)
O compromisso com a realidade, ao se fazer uma biografia, cresce na proporção da importância do biografado. Você fica com pouco espaço para a "invenção"... Já na ficção ― pura ―, a liberdade é total...
7. Você já deve ter pensado nisso, mas eu gostaria de te perguntar mesmo assim... Morrer em Praga e o novo Kafka têm, ainda em comum, a mesma cidade. Você acredita que Praga inspirou, de alguma forma, a produção bastante desencantada de Kafka, assim como, de alguma forma também, serviu de cenário para o amor trágico de J.B. Gelpi?
Na produção da obra kafkiana, sem dúvida Praga teve um papel fundamental. A cidade e o autor se confundem, se imbricam, e ele não consegue fugir daquela "mãezinha que tem garras". Ainda que em nenhuma de suas obras ele nomeie a cidade, Praga está presente no clima quase fantasmagórico de sua produção. Numa carta a Oskar Pollak, um de seus maiores amigos, refere-se a "pontes escuras", "santos iluminados fracamente", "céus cinzentos", "igrejas com torres sombrias" e a uma pessoa que se debruça sobre o parapeito no final do dia, olhando a água, com as mãos apoiadas em velhas pedras... Onde seria isso senão em Praga?
Além do mais: há toda a contradição de uma cidade tcheca, de fala alemã; um país sob o domínio do decadente Império Austro-Húngaro, onde nacionalistas buscam a liberdade; um bairro judeu, do qual os judeus procuram se afastar. (Essas ambiguidades se expressam claramente na obra do autor.)
Já no caso do J.B. Gelpi, acho que Praga pode ter contribuído de modo indireto para o final trágico: era uma cidade recém-saída do regime comunista, triste e escura ― sem dúvida, um palco propício para uma história de amor e morte. Mas não acho que ela tenha sido preponderante...
8. Nessa sua disposição de trabalhar, como escritora, em todas as mídias, você está na internet, participa de eventos literários e, inclusive, lançou um audiolivro. Queria que dividisse, conosco, suas impressões sobre novos "leitores" (eletrônicos), como o Kindle, e esta nova fase do "livro eletrônico". Qual a sua expectativa em relação às novas mídias?
A minha disposição em participar de todas as mídias é bastante relativa... Acontece que as novidades estão aí ― e precisam ser experimentadas! É como o computador: no começo, foi ― para mim ― quase um mal necessário; hoje, é uma paixão (não imagino como tenha vivido tanto tempo sem...).
No mais, confesso que não me atualizei muito para além da internet ― e do audiolivro. Uso (pouco) o Twitter, o Facebook e mesmo o Skype ― apenas para bater papo com os amigos e, não, como instrumento de trabalho...
Ainda sobre o audiolivro, foi uma experiência boa ― pois o meu audiolivro foi o primeiro ― e não sei se o único ― a ser totalmente dramatizado no Brasil... (Cada personagem foi interpretado por um ator diferente etc.)
Contudo, para mim, o carro chefe é, e sempre será, o livro em papel ― que tem cheiro, gosto, peso...
9. Sempre lembro que você é uma "cria" das oficinas literárias, onde trabalhou seus primeiros textos e onde começou a publicar. Ao mesmo tempo, carrega uma bagagem de produção de textos, mesmo que técnicos, por ser advogada. O que aconselharia, em termos de formação e de prática, a um escritor que deseja começar ou começar a publicar?
Leia, leia muito. E, se quiser escrever mesmo, compre um lápis vermelho para cortar os excessos do texto. Reescreva sempre. Ah, faça também um "exercício de paciência e humildade", ao se deparar com a dificuldade de ver seu livro publicado... Aceite críticas e sugestões (se pedir a opinião de outra pessoa) ― ou, ao menos, pense a respeito (antes de "fincar o pé" no que você escreveu)...
Por fim, tenha uma outra profissão que garanta a sua subsistência ― pois de literatura (assim como de amor) ninguém vive, exceto um ou outro...!
Quero aqui avisar aos meus leitores ― se é que tenho algum, além de minha noiva ― que estou me despedindo do mundo literário/jornalístico. Decidi que vou mudar o rumo da minha vida. Em vez de continuar trilhando o caminho do jornalismo, vou abrir uma funerária. Já tenho até o slogan: "Funerária Rodrigues: sua morte em bom caixão". Afinal, o rádio já morreu, a televisão está morrendo, os jornais e os livros impressos também. É tanta coisa pra ser enterrada que vai faltar gente pra organizar a situação. É aí que eu entro e ganho uma baita grana.
Ainda mais agora, com a morte dos blogs sendo decretada por aí. Ora, existem quinzilhões de blogs no mundo todo. Se eu conseguir enterrar só os daqui da Bahia, já faço meu primeiro milhão antes de 2011.
Falando sério: qual o problema com esse povo? Não se pode mais inventar nada sem matar algo que veio antes?
Os blogs não estão morrendo, nem vão morrer. Como é que a maior revolução dos últimos anos pode acabar assim, de uma hora para a outra? A internet em si é uma revolução, mas os blogs é como uma revolução dentro de outra. Talvez até maior do que a primeira.
Fala-se muito do Twitter como uma nova revolução e tal, mas não chega a tanto. O pessoal é que é deslumbrado demais. Muita gente já fazia, em seus próprios blogs, o que muita gente faz via Twitter. Ou seja: posts curtos, links para matérias/ textos/ posts/ vídeos/ fotos, essas coisas. E é natural que alguém sem muito tempo para cuidar de um blog passe a ficar mais presente no Twitter. É o que está acontecendo comigo, por exemplo. E isso me deixa um tanto triste, até, porque gosto do meu blog ― mantenho um há 7 anos (não no mesmo endereço), é algo que gosto de fazer. Isso não significa, de forma alguma, que os blogs deixarão de desempenhar o papel importantíssimo que desempenham hoje. Talvez eles finalmente fiquem mais relevantes. Acho até que isso já está acontecendo, inclusive.
Além do que, pensar no fim dos blogs é admitir que a comunicação e a expressão humanas vão ser reduzidas a 140 caracteres (como disse o bom e velho Saramago, "Os tais 140 caracteres refletem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido."). E isso não vai acontecer. Se acontecer, não quero estar aqui para ver.
"(...) se o único passarinho que você vê há meses é o do Twitter, passou da hora de desligar esse computador, fazer uma pausa para reflexões e ir ver a vida pulsar lá fora (...)"
"Minha geração (faço parte da X) sofreu muito com essa transição para o mundo on-line. Na época da escola, tínhamos uma semana para escrever uma redação. Íamos na biblioteca e ficávamos horas fazendo trabalhos. Hoje, nas pós-graduações, temos que pesquisar no Google e mandar o trabalho por e-mail no dia seguinte! Tudo acontecendo tão rápido que não aprendemos a lidar com o excesso de informação."
(...)
"E essa meninada, a geração Z, que já nasceu na correria (ou, como diz um amigo meu, não nasce, vem por download)? Que tem agendas lotadas, como executivos? Chegam em casa, depois de fazer mil coisas durante o dia, e ainda sentam no computador e assistem vídeos, navegam em redes sociais, papeiam no MSN."
(...)
"A internet não é problema, é solução. Problema somos nós. Somos abelhas morrendo afogadas em potes de mel."
O show que assisti aconteceu na última quarta-feira, dia 16 de setembro, no Teatro Verizon em Houston, Texas. Consegui me acomodar logo na segunda fila, no centro do palco. Os "Red Heads" (como são conhecidos os fãs do Sammy Hagar, numa alusão ao apelido dele, Red Rocker) formam uma enorme família, animada e solidária. Em 5 minutos, todos ao redor já batiam papo como velhos conhecidos, trocando impressões sobre shows anteriores, músicas preferidas, etc. A abertura foi de um garoto britânico chamado Davy Knowles. Quando ele subiu no palco, juro que pensei "bah, mas é um guri com cara de Jonas Brothers". Só que ele simplesmente arrasou, junto com sua banda de apoio, Back Door Slam.
Bom, e aí chegou a hora do Chickenfoot. É impressionante a energia e a alegria que vinha de cada um deles. Estavam ali pra se divertir e tocaram como se estivessem na sala de casa, como numa jam entre amigos. O Sammy é uma das criaturas mais carismáticas que eu já vi em um palco. Ele conversa com o público, conta histórias entre uma música e outra, vai até a galera para autografar o que entregam pra ele... Seu entrosamento e amizade com o Michael Anthony fica evidente o show inteiro. O Chad Smith é engraçadíssimo, fica jogando baquetas pra platéia o tempo todo (inclusive uma quase que me atingiu na cabeça). E o Joe é o Joe: fica mais na dele, toca guitarra de maneira absurda, mas não é de muita firulinha como os outros ― talvez por nunca ter feito parte de uma banda.
A essas alturas, eu já tinha ganho um "upgrade" para a primeira fila, já que a galera se espremeu um pouquinho para que eu ficasse ali e pudesse filmar melhor (como eu disse, os Red Heads são uma verdadeira família!). No bis, surpresa: Sammy voltou ao palco com uma slide guitar, sentou na minha frente (literalmente) e engatou "Bad Motor Scooter", grande sucesso da carreira dele na época do Montrose, seguida de "Highway Star" e "My Generation" (The Who).
"Para as classes que estão por baixo - você me desculpe a expressão, eu não tenho a menor cerimônia - não adianta fazer poesia. Para o operariado, por exemplo, não adianta nada fazer poesia, eles não têm tempo de ler ou sequer sabem o que é ler..."