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Quarta-feira,
28/9/2005
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Redação
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Festival do Rio 2005 (II)
Começa aqui...
Voltando para dar as últimas dicas dos filmes aos quais assisti no último final de semana no Festival do Rio e que ainda têm reprise. No próximo sábado e domingo, provavelmente retornarei à cidade maravilhosa para fazer nova cobertura deste evento grandioso. Até lá, fico daqui babando sobre os filmes que não poderei ver durante a semana... Paciência. E lembrando de novo: informações completas de ingressos e programação no site oficial.
Buy It Now - curiosa experiência ficção-documentário que, mesmo quando termina, deixa dúvidas sobre a real natureza de sua linguagem e intenções. Conta o caso de Chelsea, jovem de 16 anos que, entediada e sem atenção dos pais, decide vender sua virgindade pelo famoso site de leilões eBay. Ou seja, quem der o maior lance leva a bela menina para a cama. No início, o incômodo beira o insuportável: inteligentemente, o diretor Antonio Campos intercala o cotidiano de Chelsea, marcado pelo desprezo ao diálogo da mãe e os pensamentos quase infantis, com seu derradeiro encontro em que finalmente vai transar depois de conseguir um "comprador". Tudo mostrado ao público através de imagens supostamente filmadas pela própria garota com uma câmera digital. Sufoca, assusta, incomoda. A banalização do sexo toma formas gratuitamente sérias. Só que, na segunda metade, o diretor parece ter decidido mostrar um "outro lado" de sua narrativa e passa a repetir os acontecimentos, agora encenados com cortes, closes, diálogos decorados (sem abrir mão da imagem em digital). Resultado: o filme desaba. Toda a complexidade e sutileza até então apresentadas são jogadas para baixo do tapete. O filme torna-se fraco e desnecessário, e o que seria uma denúncia a respeito do que pensa a juventude americana de hoje cai no desinteresse. Ainda assim, compensa a ida ao cinema, já que a primeira parte é um impressionante exercício estético sobre moralidade. Vale registrar que Buy It Now ganhou um prêmio especial dado a curtas-metragens no último Festival de Cannes. Claro, ele concorria apenas com os primeiros 30 minutos...
Próxima exibição do filme
Quarta, dia 28, no Espaço Unibanco 1, às 23h45
A Marca do Terrir - Ivan Cardoso (imagem acima) é um dos diretores mais marginais e marginalizados de toda a história do cinema brasileiro. Seguiu carreira no rastro do gênio de José Mojica Marins (o Zé do Caixão) e se rendeu aos filmes de terror. Só que a forma como desenvolveu as narrativas e os (d)efeitos especiais foi tão ingenuamente engraçada que ele acabou criando um gênero, o "terrir". Clássicos como O Segredo da Múmia, As Sete Vampiras e O Escorpião Escarlate marcam sua filmografia, mas existe uma época praticamente inédita a nós. É a fase do Super-8, em que Ivan filmava as mais alucinadas histórias com essa câmera de custo baixíssimo. E este documentário A Marca do Terrir é exatamente o registro dessa época, um tempo em que a experimentação, para Ivan, era regra, e o exagero, o pastiche, o deboche, já se mostrava comum no seu cinema. Montado de forma meio anárquica, com cenas das mais chocantes e bizarras de seus trabalhos, o filme resgata a chamada série Quotidianas Kodaks, com momentos de deleite visual e sanguinolência (regados a muito molho de tomate). Ivan Cardoso esfrega na cara do público corpos nus, violência e perversões sem deixar de lado o bom humor que desde então, ainda que sem querer, impregnava tudo o que produzia. O ápice disso é Nosferato no Brasil, sátira em que o Conde Drácula vai dar umas voltas na capital carioca e se depara com um paraíso de mulheres lindas (e depravadas) e pescoços sedentos por uma mordida. Obrigatório a quem se interessa em conhecer um outro ângulo do que se faz, sem dinheiro, no cinema do Brasil. E um atestado da paixão de Ivan Cardoso (presente à sessão e muito simpático ao apresentar seu filme) pela arte que o tornou notório.
Próxima exibição do filme
Quarta, dia 28, no Espaço Unibanco 3, às 23h30
Há outro filme de Ivan Cardoso na programação do festival. Um Lobisomem na Amazônia marca a volta do diretor ao cinema de ficção (e ao terrir) depois de quase 15 anos. Imperdível. Passa na sexta, dia 30, no Odeon, à meia-noite; e na quarta que vem, dia 5 de outubro, em duas sessões no Palácio 1: às 16h30 e às 21h30.
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Marcelo Miranda
28/9/2005 às 10h40
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Casa do Saber: Cinema Clássico
Nas últimas seis semanas, além de atuar como crítico de cinema da Folha de S.Paulo e da TV UOL, Sérgio Rizzo tem ministrado o curso "Para Conhecer os Clássicos: dos primórdios ao Cinema Moderno", na Casa do Saber. E o que à primeira vista parecia complicado em 17 de agosto (data de início das aulas) agora não poderia fazer mais sentido. Em outras palavras, o professor Sérgio Rizzo deu conta, em cinco aulas (a sexta e última será nesta quarta-feira, 28, às 12h30), dos primeiros movimentos, lá com os irmãos Lumière e com Georges Meliès, até a Época de Ouro do cinema norte-americano, com David Selznick e E o Vento Levou.
Da forma como está escrito pode parecer que a tarefa foi simples para Rizzo. Afinal, como jornalista e crítico de cinema, ele precisa dominar o assunto como ninguém. Este raciocínio procede, mas não é tão comum assim encontrar especialistas que consigam transmitir de maneira tão clara o desenvolvimento de um meio de expressão artística tão peculiar e abrangente como o Cinema. A razão para isso, aprende-se depois, é que Sérgio Rizzo não entende apenas da sétima arte. Pois, ainda que esta seja sua especialidade, ao logo do curso ele trouxe para os alunos comparações fundamentais para o entendimento da evolução do cinema. Exemplo disso foram as conexões entre a produção cinematográfica e a produção industrial, elemento que foi um dos responsáveis pela supremacia americana em relação aos franceses já nas primeiras décadas do século XX. Ou então como o cinema americano, em certa medida, espelha os ideais do individualismo, o que é diferente, por exemplo, do cinema soviético, quando a experiência coletiva também obedece a um raciocínio (também) ideológico.
Já do ponto de vista teórico, Sergio Rizzo conseguiu explicar ainda o que era a linguagem cinematográfica (câmera e montagem). E a partir disso enveredou para a interpretação de cada marco cinematográfico, pela ordem: O Nascimento de uma Nação, de D.W.Griffith (o marco inicial do cinema narrativo clássico); A General, de Buster Keaton ("eminentemente cinematográfico, graças ao movimento"); Encouraçado Potenkim, do russo Serguei Einsenstei (com a surpreendente organização de imagens e a mudança do estilo narrativo americano) e M, o Vampiro de Düsseldorf, de Fritz Lang ("o expressionismo alemão e a leitura enviesada da realidade"). Poderia citar tantos outros, cujos trechos foram passados em sala, mas a lista ficaria cansativa.
Em síntese, é correto afirmar que, a partir do curso, se os clássicos do cinema, como O Picolino (estrelado por Fred Astaire e Ginger Rogers [imagem acima]), não ficaram mais clássicos, ao menos agora os alunos podem compreender o motivo de toda essa distinção e reverência feitas a esses filmes.
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Fabio Silvestre Cardoso
27/9/2005 às 10h45
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Feedback risonho
Sim, Julio
gosto muito de navegar na web, acessar
sites e blogs legais, como o DC, No mínimo,
Rafael Galvão, Observatório, Cora e tantos outros.
Gosto dos artigos lúcidos, fluentes e dos irônicos
e bem humorados... dessa gente sabida.
Agora mesmo recebi um boletim do Inagaki
citando um artigo seu - legal.
Tem alguma coisa minha na busca do MSN,
mas, embora com tanta gente boa no Orkut,
alguns amigos com comunidades e tal me convidaram.
Mas não aderi por enquanto - acho complicado, muita informação
e prefiro aproveitar o tempo para acessar favoritos
e novidades na web... um mundo sem tamanho.
Sou atriz, escritora, poeta, autodidata,
carioca, radicada em Brasília. Lancei até o momento
3 livros de poesia desde 2000, mas não investi muito
em divulgação até o momento. Tem tempo.
Para efeito de idade, sou uma senhora de 50 anos
que todos os dias aprende alguma coisa com a vida,
com as artes e os pensamentos das figuras.
Às vezes exibida, às vezes tímida, nem sempre
comento o que leio... Tem muita gente assim.
Mudei recentemente e coloco a casa e a mente
em dia para deslanchar alguns planos: preparar
e lançar novos livros e elaborar o meu blog, claro.
Uma praia que tem tudo a ver comigo, sabe.
Só acho que não vou manter um sistema de comments
porque os spans são muito brabos - como eu acho que pode
acontecer no orkut e como me aconteceu no ICQ que
desativei... Acho legal ler e deixar comentários, mas
rola uma coisa esquisita entre as figuras, às vezes,
debates vazios e muita muita agressividade. Acho que
às vezes falta espírito esportivo aos internautas.
Além da renomada falta de respeito aos autores.
Mas sim: sempre navego em sua casa e tenho
boas surpresas com os artigos. Seu trabalho,
com sua turma, faz diferença pra muitos e me agrada.
Entre milhares de opções, a gente escolhe os favoritos -
tenho pelo menos uns trinta especiais -
se enturma, reconhece estilos, chama os autores pelo
primeiro nome e se sente em casa. Isso é muito bom.
Por isso, fique com meu abraço no bom fim de semana,
agora que sabe um pouquindo da leitora... rs.
Beijinhos da Gisele
Gisele Lemper, por e-mail (porque ela respondeu ao meu texto sobre feedbacks...).
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Julio Daio Borges
27/9/2005 às 10h12
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Festival do Rio 2005 (I)
Acabo de desembarcar do Festival do Rio 2005. Sim, eu sei que o festival nem está na metade (começou na sexta, dia 23, e vai até quinta, 6 de outubro), mas como não moro na capital carioca e tenho outros afazeres profissionais ao longo da semana, só posso aproveitá-lo nos sábados e domingos. Foi o que fiz, pela primeira vez credenciado como imprensa (pelo Digestivo, aliás).
(Desde já, vale um parênteses aqui: a organização precisa ficar mais esperta a respeito do credenciamento de jornalistas. Primeiro, foi um sufoco conseguir contato com a assessoria, já que nossas mensagens eletrônicas não obtinham resposta e os telefones não atendiam. Depois, mais demora para definir se rolaria ou não o crachá. Por fim, quando chego lá, ninguém das várias salas de cinema onde acontece o festival sabia como lidar comigo: minha credencial é branca, o que significa que não preciso retirar ingressos antecipados, e sim já ir entrando na sessão escolhida depois que o público estiver lá dentro. Só que os bilheteiros, porteiros e gerentes não faziam idéia disso, e por umas três vezes eu quase fui barrado - não fosse certa simpatia com eles e já era. Só no domingo, parece, estavam mais informados, e olhe lá, já que um porteiro simplesmente me impediu de entrar numa determinada sessão. Sugiro à organização ler o excelente Feedback, do nosso editor Julio Borges. Mas divago...)
Nos dois dias em que fiquei no Rio, assisti a sete longas-metragens e um curta. Uma pena que boa parte dos destaques da programação deste ano (uma das melhores em muito tempo) está concentrada em dias de semana ou nos próximos sábado e domingo (quando certamente voltarei, principalmente por Manderlay, novo do Von Trier, e Last Days, do Gus Van Sant, entre outros).
Assim, quase tudo o que vi nessa primeira ida não é tão conhecida pelo grande público. De qualquer forma, como em todo festival, deu para pescar algumas pérolas de destaque. Algumas delas não serão mais exibidas, então comento posteriormente. Outras ainda têm reprise - e é sobre essas que escrevo a seguir, com indicação das próximas sessões. Se estiver no Rio, se deleite com o festival. Se não estiver, morda-se de vontade ou faça como eu: enfrente assessorias, chuva, ônibus e o que for para chegar lá. Vale a pena.
Compra de ingressos e detalhes da programação estão no site oficial. Às pérolas, então:
Dumplings - versão em longa-metragem de episódio homônimo da antologia Três... Extremos (filme imperdível, também no festival). É a história de uma ex-atriz disposta a recuperar a juventude a todo custo, tanto para se manter bela quanto para voltar a chamar a atenção do marido, que a ignora. Encontra a solução mágica com uma espécie de bruxa inventora de uma comida "mágica" que mantém as pessoas jovens e fortes. Dirigido por Fruit Chan, cineasta de Hong-Kong, é um bizarro exercício de imagens chocantes em meio a muito humor negro. Exemplar perfeito do cinema extremo tão propalado no Oriente, que tem nas cenas de asco o grande poder de persuasão com o espectador. Alguns momentos realmente embrulham o estômago, mas a idéia por trás da narrativa os justifica: falar da loucura a que se chega em nome da estética física. Pouco parece importar a moral, a educação, a racionalidade. Se a protagonista deseja a beleza, vai enfrentar os maiores pesadelos para chegar a ela. Por vezes o filme aparenta ser uma grande bobagem, mas ao final deixa um recado poderoso à elitezinha que costuma freqüentar cinemas (em especial, nos festivais, o que é cool). Vale experimentar essa viagem - e tente se manter impassível na angustiante cena de aborto...
Próximas exibições do filme:
- terça, dia 27, no Estação Barra Point 1, às 22h
- sexta, dia 30, no Estação Ipanema 2, às 18h
Amor & Felicidade - o cinema sueco é notório pela melancolia e tristeza que emanam de suas narrativas. Peguemos o nome mais badalado do país, Ingmar Bergman, por exemplo. Recentemente, tivemos Para sempre Lylia, que fez certo sucesso no circuito comercial. Mas não só de lágrimas e sofrimento vive a Suécia das telas. Aqui, apesar do clima seco e igualmente incômodo de que as coisas não estão muito bem, a mensagem final é de puro otimismo. A jovem Minna não tem a vida desejada, mas consegue encontrar algumas válvulas de escape na pequenina cidade onde mora. Sai com a amiga, se envolve com o instrutor de direção, é assediada pelo colega apaixonado. Só que ela é infeliz, porque a mãe morreu, o pai se casou de novo e a quer fora de casa, para conviver melhor com a nova esposa. O que acompanhamos é o cotidiano dessa personagem tão humana e cheia de dúvidas, ainda descobrindo o amor e as conseqüências dele (e de tudo o que ele traz, como frustrações e angústia). Só que, quando termina, o filme deixa um frescor de recomeço que absorve as maiores pancadas até então surgidas. Uma delícia acompanhar a volta por cima de Minna, por mais que ela precise abrir mão de muita coisa para tentar alcançar seus maiores sonhos.
Próximas exibições do filme:
- quinta, dia 29, no Estação Botafogo 2, às 18h45
- quarta, dia 5, no Estação Botafogo 2, em três horários: 14h30, 18h45 e 22h45
- Observação: o filme tem apenas legendas em inglês
Achados e Perdidos - sou um entusiasta do cinema de José Joffily. Diretor brasileiro de grande interesse, fez Quem Matou Pixote?, que, fora alguns exageros e maniqueísmos, tinha méritos; e o excepcional Dois Perdidos Numa Noite Suja, talvez seu melhor trabalho. Mas algo não deu muito certo neste novo filme. Contendo todos os elementos de um típico noir (o protagonista marginalizado, a polícia apresentada como estorvo, a mulher fatal, o crime obscuro, a pouca iluminação, o cigarro sempre aceso) e um Antônio Fagundes bastante inspirado e desglamorizado encabeçando o elenco, tem tudo para engrenar, mas não engrena. Até começa bem, até cair na tentação de querer explicar tudo em detalhes, não confiando nas ambigüidades do próprio roteiro e na percepção do público em entender uma trama que poderia ser rica em significados. Se por um lado Joffily volta a abordar um universo de gente fora do topo da pirâmide, de pessoas à margem com suas próprias leis e ideais, por outro deixa escapar o potencial do filme ao se entregar ao estilo policial curto e simples. Uma pena, já que talento ele tem para fazer bem melhor. Vale registrar a presença marcante da belíssima Juliana Knust (imagem acima), estreando em cinema. Não é grande atriz, mas que corpo...
Próxima exibição do filme:
- terça, dia 27, no Odeon BR, ao meio-dia
Hoje mais tarde eu volto para comentar outros dois filmes vistos no fim de semana e ainda com reapresentações no festival. Ambos imperdíveis, cada um por motivos completamente distintos. Apareça aqui de novo.
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Marcelo Miranda
27/9/2005 à 01h34
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Futuro
Meu chefe [André Forastieri, O Branco] conseguiu o que meus amigos não puderam em dois anos [voltar com o site], simplesmente porque exprimiu a idéia de uma maneira mais sedutora. Não fazer o blog para influenciar, doutrinar ou impressionar pessoas: apenas porque é muito legal.
Mario AV, que ressuscitou o Different Thinker (porque ele já havia voltado da tumba, por minha causa...).
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Julio Daio Borges
26/9/2005 às 10h05
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Prêmio Jabuti
Quando ainda era viva, a escritora Hilda Hilst fazia troça acerca do sucesso literário. Questionada a respeito dos prêmios que já tinha recebido, ela dizia: "Nunca ganhei nenhum Nobel. Só me deram umas tartarugas". A "tartaruga" à qual a autora se referia era o Prêmio Jabuti, o mais tradicional "laurel" no âmbito editorial no Brasil, principalmente porque reconhece não somente os escritores, mas também todos aqueles que trabalham em torno da concepção do livro. Na noite de ontem (20.09), o auditório Simon Bolívar, do Memorial da América Latina, foi palco para a 47º edição do Prêmio Jabuti. Embora a maioria dos vencedores já tivesse sido anunciada, havia uma certa expectativa com relação aos dois principais prêmios: o de Livro do Ano nas categorias Ficção e Não-Ficção, o que só seria revelado no final.
Antes da entrega dos troféus, os convidados, escritores, editores e jornalistas se reuniram no saguão e, espremidos, ficaram, de um lado para o outro, com as conversas de bastidores, nas chamadas "rodinhas". Fatos diversos. O Freddy (da Editora Barracuda) dizia para uma amiga sobre a "nova safra de escritores". Como disse a ele depois, não há mais tanta novidade assim em falar de Marcelino Freire, Joca Terron etc. Já a escritora Nélida Piñon, sempre acompanhada, atendeu ao chamado deste repórter e ela só foi elogios quando ouviu falar de Luís Eduardo Matta, colunista deste Digestivo. "Ah, mas o Luis Eduardo é uma pessoa a quem eu quero muito bem!", enfatizou. Isso é que é moral.
Momentos antes de a premiação ser iniciada, pausa para os pronunciamentos. Do presidente da Câmara Brasileira do Livro, Oswaldo Siciliano, do Curador do Prêmio Jabuti, José Luiz Goldfarb, além do Secretário estadual da Educação, Gabriel Chalita. Em todos os discursos, notava-se um certo otimismo com panorama editorial no Brasil que contrasta com os índices que atestam a queda de venda de livros, conforme noticiado pela Folha de S.Paulo no último sábado (17.09). Nesse momento, surgem perguntas do tipo: como o Brasil, um país de não-leitores, consegue ter tantas editoras? Por que as campanhas em prol da leitura permanecem no apelo vazio dos slogans em vez de atacar o problema educacional de frente? Enquanto formulava essas perguntas, eis que era anunciado o vencedor do Livro do Ano na categoria não-ficção. Francisco Alberto Madia de Souza pela obra Os 50 Mandamentos do Marketing (Ed. Makron Books). Já na categoria ficção, Nélida Piñon ganhou com o romance Vozes do Deserto (Ed. Record). Saí de lá com a incrível sensação de ter minhas perguntas muito bem respondidas, para o bem e para o mal.
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Fabio Silvestre Cardoso
21/9/2005 às 10h30
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In London
Os Conselheiros também tocam em podcast. Ouça aqui a entrevista de Fabio Silvestre Cardoso (e também sua selação de músicas) no programa 5 a 1 de Ricardo Senise.
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Julio Daio Borges
19/9/2005 às 19h17
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Osesp, 17.09
Na Sala São Paulo, são quase 16h30. O público parece saber e atende quase que imediatamente ao chamado sonoro do início do espetáculo. Afinal, ninguém quer perder o este concorrido Concerto. A lotação se justifica: no programa, duas peças de Ludwig van Beethoven e uma de Wolfgang Amadeus Mozart. Como se não bastasse, tem mais. O aviso é do maestro John Neschling: a Orquestra dá continuidade na gravação das peças de Beethoven, mais precisamente : A Consagração da Casa e A Sinfonia Pastoral. Por isso, ele pede: "o máximo de silêncio possível, para que nós possamos captar o som mais absoluto. Depois, vocês podem tossir à vontade.", brinca em tom sério, seguido de risos da platéia.
Em seguida, o silêncio. O público parece ter entendido o recado e logo nas primeiras notas da abertura de A Consagração da Casa é possível ouvir as variações de cada naipe sendo executadas, a princípio, com suavidade, mas que adquire velocidade à medida que a peça avança. Destaca-se, nessa passagem, o trabalho dos fagotes, executados por Alexandre Silvério e José Arion Linarez. Isso porque as cordas (violinos, violas e violoncelos) entoam um diálogo musical que é pontuado pelos fagotes, numa evolução sutil, é verdade, mas que não perde o virtuosismo (nesse sentido, o silêncio foi providencial para que se pudesse perceber esse detalhe). A performance da Orquestra entusiasmou até mesmo os ouvidos instruídos da musicista que estava ao lado deste colunista. "É uma peça difícil de ser tocada, porque exige muito das madeiras, ainda que não apareçam tanto como os violinos", analisou. Ao final da peça, o público então pôde quebrar o silêncio que fez até então e encheu a acústica da sala com seus aplausos para lá de entusiasmados.
Para a Sinfonia nº25 em Sol Menor, KV 183, de Mozart, a Osesp trocou sua formação. Saíram do palco, por exemplo, os trombones e os trompetes, restando os fagotes, os oboés, as trompas e o naipe de cordas. O resultado, no entanto, foi contundente. Num primeiro movimento imponente, a Orquestra fez jus às palavras que o crítico Irineu Franco Perpétuo escreve no programa: "tempestade e ímpeto, marcada por contrastes dramáticos". Esses contrastes são assinalados ora pelos violinos, ora pelos violoncelos numa dinâmica que não perde o andamento ao longo dos quatro movimentos. Ademais, percebe-se aqui um John Neschling também contagiado pela imponência da obra.
Ultima parte do programa, A Sinfonia nº6 em Fá maior, Op.68 - Pastoral a mais aplaudida peça de todas as três. Obviamente, isso se deve em parte pelo fato de ser um standard. Entretanto, há que se considerar que o público, uma vez conhecedor da obra, ficaria mais atento - e exigente - no que se refere à sua execução. De sua parte, a Orquestra não decepcionou e esteve ainda mais à vontade do que n'A Consagração da Casa (se se comparar o comportamento perante as duas gravações). O "despertar de sentimentos felizes na chegada ao campo", movimento de abertura, chamou a atenção pela leveza dos violinos e pelas madeiras. Com os trompetes e trombones de volta, a diversidade sonora era ainda mais perceptível. Em contrapartida, além dos fagotes, destacaram-se também as flautas e os oboés. Prova disso foi o segundo movimento, "Cena junto ao riacho", em que os solos são mais recorrentes, sempre com referência ao tema principal. Para os leitores interessados, esta Sinfonia Pastoral estará disponível na própria coleção da Osesp a ser lançada nos próximos meses, ao que tudo indica, pela Biscoito Fino.
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Fabio Silvestre Cardoso
19/9/2005 às 09h30
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São Francisco Xavier IV
(Começa aqui...)
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Nosso último dia em São Francisco Xavier começou agitado na pousada Kolibri, com a presença de umas senhoras que praticamente haviam debandado de São Paulo, inopinadamente, no dia anterior, e que agora dividiam conosco o café-da-manhã. A mais simpática, e mais falante (também a primeira a acordar), reclamou muito das convenções sociais de São Paulo, etc. e tal, o que nos permitiu concluir que, talvez, freqüentasse a alta sociedade (longos bocejos nesta hora...). Para que se tenha uma idéia, do "ânimo" de seus compromissos sociais, preferia, em certas ocasiões, juntar-se à trupe dos Night Bikers (sim, dos Bicicleteiros Noturnos) a participar de uma festa ou de um jantar. Não sei se dizia isso só pra agradar (ou para se enturmar), mas o fato é que estava lá.
* * *
Nesse dia, na biblioteca da Fred, finalmente meti as caras na sua coleção da Pléiade, de Flaubert, e passei uns bons momentos lendo a introdução às obras completas do autor de Madame Bovary (quase descobri porque o Milton Hatoum perdeu quase toda a vida em sua Educação Sentimental). As senhoras do parágrafo anterior, ao me verem refestelado na poltrona, com Flaubert ao lado, abriram e fecharam a porta, furtivamente, como se interrompessem uma reunião (quase as convidei para entrar, mas Flaubert, neste instante, me puxou pelo braço...). Preferiram sentar-se lá fora, mas eu podia ouvir ainda seu alarido através da porta. Quando a Carol chegou, conhecemos o cãozinho de uma delas - que havia participado também da viagem peremptória e que tinha um nome sugestivo, viril, embora fosse baixinho e atarracado: algo como "Conan, o Bárbaro", "Stallone Cobra", "Rocky, o Lutador" ou "Duro de Matar" (enfim, uma inspiração similar). Como contraponto, a Fred nos mostrou seu deck, contou-nos de sua filha estudando artes na França e ficamos de visitar os chalés da Kolibri mais tarde.
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Nossa próxima parada foi, de novo, A Rosa e o Rei. Entre o Fred e a Fred, mais uma vez. Como o Leitor deve se lembrar, ele havia nos convidado para uma "prática" lá, dois dias atrás (as aspas são por conta do mistério envolvendo a tal prática). O Fred, embora fosse um homem muito sério, determinado e objetivo, às vezes falava por parábolas. Naquele então, havia anunciado a "prática" como uma caminhada pelo rio (o Rio do Peixe), onde a água era muito fria e trazia o "praticante" obrigatoriamente "para o presente". "As pessoas não querem vir para o presente", o Fred enunciava. "As pessoas não querem mudança - as pessoas fogem da mudança", concluía solene. Segundo ele, até, naquele dia da prática, sentia a falta de mais pessoas, que também haviam recebido, como nós, o convite, mas que - conforme ele mesmo previra - fugiram da "prática", do rio, da água gelada e do "presente", por conseguinte.
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Para quebrar o tom solene, estava lá o Wilson, amigo de 30 anos do Fred (também apresentado aqui anteriormente) e que fazia piadas com o nosso guia: "Veja esse sujeito: ontem, ele estava na bolsa de valores, ganhando e perdendo milhões todos os dias - agora nos leva por esse rio acima...". O Fred não se abalava: "Agora, nós vamos voltar a andar de quatro. Cada um vai no seu próprio ritmo. Não confie nunca em nenhuma pedra. E só ajude o outro se o outro pedir. Nós temos essa mania de querer ajudar...". E num trecho mais pantanoso, onde supostamente havia o risco de encontrarmos alguma cobra: "Agora, aqui, nós vamos conhecer o medo...". Gozações e instruções à parte, a paisagem era deslumbrante, a água, geladíssima e os nossos companheiros de safári, divertidíssimos. Eu me lembrei do Bufo & Spallanzani, do Rubem Fonseca - daquela turma, daquela fazenda. A situação não era exatamente a mesma, mas eu via, em cada personagem, um potencial riquíssimo.
* * *
Entre os "praticantes" estavam (vou descrever grosseiramente, tá?), além de mim, da Carol, do Fred e do Wilson, um casal, ele da área de eventos corporativos, ela aparentemente uma loira de outro país, mais um médico, que eu - provocativamente - chamava de "engenheiro". O Engenheiro, sim, queria nos trazer "para o presente" o tempo todo. Ficava a cargo dos detalhes estritamente técnicos da travessia. "Fred, você saberia me dizer qual é a temperatura desta água aqui?"; "Quanto tempo até a cachoeira agora, Fred?"; "Você já reparou [Fred] que a natureza não é nada linear e que o homem constrói tudo linearmente?". Nessa hora, não agüentei e disparei: "Você é engenheiro, não é?" (Eu sei, eu sou engenheiro por formação.) Não, não era: era médico. Mas seus irmãos eram todos engenheiros. (Não falei?) Estou sendo injusto com o Engenheiro; ele era simpático e, profissional da área "gastrointestinal", prometeu não esquecer o nome "Digestivo Cultural". "Um nome sugestivo", completou, lá trás na fila, o Wilson. (Doutor Engenheiro, se estiver lendo isto, mande um sinal de vida!)
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Não descemos até a tal cachoeira mais ambicionada pelo Engenheiro. O Fred, comprovando nossa falta de habilidade, para o canyoning, aconselhou pegarmos a trilha, por terra (ele sabiamente nos encontraria depois na recepção da pousada). A cachoeira - na linha d'A Rosa e d'O Rei - era maravilhosa, mas geladíssima. Ali, sim, voltei para o presente; e conheci o medo. (O medo da cãibra.) A Carol - muito mais experiente em cachoeiras do que eu - não agüentou. Saldo sem cãibra (ao contrário do que o previsto): um joelho meio ralado e um "calombinho" na perna esquerda. Tudo bem, pois até o Fred, nosso guia, arrancou de si uma lasca. A despedida, de todos, incluindo a Simara, que nesse momento arranhava um violão com o filho (ela é crooner, lembra?), foi breve, porque nos aguardava um almoço no Dakini Restaurante. O Doutor Engenheiro ainda nos segurou, por alguns minutos, contando detalhes da sua lua-de-mel ali perto, em Monte Verde, e calculando incessantemente os declives (e aclives) d'A Rosa e o Rei.
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O Dakini Restaurante começou no centro da cidade. Acontece, porém, que o dono da mais tradicional pousada de São Francisco Xavier, a Vila Santa Bárbara, freqüentava muito o lugar e, como cliente bastante assíduo de lá, um dia sugeriu à Cláudia (proprietária) que o instalasse na sua pousada. A combinação deu certo, mas o antigo dono da Vila Santa Bárbara estava se dividindo exaustivamente entre São Francisco Xavier e Ubatuba (onde efetivamente residia), "de formas que" decidiu oferecer a pousada para a mesma Cláudia. Profissional de coaching e de eventos empresariais em São Paulo, a Cláudia, por sua vez, estava cansada da vida-louca-vida da metrópole, e decidiu fincar suas raízes, definitivamente, em São Francisco Xavier. Hoje, como dona de restaurante e de pousada (a mais indicada pelo Guia Quatro Rodas), trabalha igual ou até mais do que em São Paulo - mas está mais realizada (e morre de preguiça de voltar, mesmo que por tempo limitado, quando tem - por exemplo - de visitar a sobrinhada...). A Cláudia nos convidou para almoçar no Dakini e conhecer a Vila Santa Bárbara.
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Comemos boas massas e boas saladas com uma vista privilegiada para um outro vale (não sei se a foto mostra...). Nossos companheiros, além de um casal conhecido na noite anterior, no Photozofia, graças ao Luiz Fernando e à Debora, foram os pássaros coloridos da pousada da Cláudia. Pretos, azuis e até vermelhos, vinham comer lascas de mamão e resistiram bravamente aos clicks da Carol (vocês, infelizmente, não vão poder vê-los...). Era com um certo pesar que já nos preparávamos para abandonar São Francisco Xavier. Depois do almoço, da sobremesa e do café, ainda fomos conhecer os chalés por dentro (ou antes?), e admiramos as decorações sempre em tons de verde, enquanto ouvíamos atentamente os planos que a Cláudia tinha para alguns aperfeiçoamentos. A Cláudia ainda nos convidou para ser a nossa próxima anfitriã, numa próxima ida a São Francisco Xavier (Cláudia, devemos tomar isso a sério? Olha que tomaremos...).
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O adeus à Fred, nossa anfitriã na Kolibri, foi auspicioso, cheio de promessas de novos encontros (Fred, aguarde). Visitamos, antes de ir, os chalés dela (já que ficamos numa "baia", lembram?). Num círculo um pouco mais afastado da recepção da Kolibri, os chalés se encontravam num território da mais pura tranqüilidade. No caminho, pisando nas pedrinhas, eu e a Carol planejávamos uma excursão familiar pra lá... O adeus à Fred foi tão difícil quanto o foi também, creiam, à Soquete, nossa amiga gata, que mereceu clicks exclusivos da Carol e que, por isso, tem agora até comunidade no Orkut (lá, a Fred proclamou: "Veja que, para fazer sucesso na mídia, não é preciso ser bonita"). O adeus ao Sandro e à Patrícia, do Photozofia, foi igualmente melancólico mas igualmente auspicioso, no sentido de guardar promessas de retorno. A surpresa ficou por conta do encontro inesperado com a Gyata, talentosa artista plástica, de quem víamos os quadros em todo lugar (mas bastante conhecida também por prezar muito sua privacidade). Com a Gyata, havíamos completado a nossa saga. Tchau, São Francisco Xavier... Tchau a todos - amigos - e até a volta!
* fotos de Ana Carolina Albuquerque
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Postado por
Julio Daio Borges
18/9/2005 às 17h37
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São Francisco Xavier III
(Começa aqui...)
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Só no terceiro dia foi realizado o sonho da Carol de andar de bicicleta. E pegamos um belo de um desafio: ir até a cidade e voltar de bicicleta. Da pousada Kolibri até o centro de São Francisco Xavier, como foi dito, não era tão grande a distância (6 Km), acontece que muitos dos caminhos eram de terra, alguns bastante íngremes e sem nenhuma iluminação (o que nos obrigava a voltar antes de escurecer). A idéia, como também foi dito, era realizar de uma vez todas as atividades que envolviam o centro de São Francisco Xavier, já que no dia anterior havíamos nos concentrado nos arredores da pousada Kolibri (de carro e a pé).
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Apesar de termos seguido no sentido mais tranqüilo - da pousada para o centro era praticamente uma seqüência ininterrupta de descidas -, passei por alguns apertos com o medo de que o freio da minha bicicleta não respondesse, principalmente o traseiro. Parecia que quanto mais inclinada a descida era, mais força eu tinha de fazer com o pulso, apertando de verdade, para brecar; e parecia também que, de repente, para uma freada brusca, do pneu traseiro, a bicicleta derrapava levemente para o lado, anunciando que, se eu insistisse muito, ela não hesitaria em me derrubar... É possível que tenha se tratado de temor psicológico; e é provável que a minha imperícia tenha contribuído para a insegurança geral (visto que a Carol ia na frente, bela e formosa).
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Na noite anterior, o "Pinga" havia anunciado no Boteco do Rao que ocorreria um encontro de violeiros na praça principal de São Francisco Xavier. Como havíamos nos divertido com suas traquinices violeiras, junto à cantora Hilda, marcamos de aparecer lá. Os horários divergiam um pouco: o "Pinga" falava em 9h30 e o Rao em 11 horas (devíamos ter perguntado para a Fred, da Kolibri, porque o senso de pontualidade dos dois não era exatamente... alemão; ou britânico). Em algum momento dentro desse intervalo, descobrimos que eles se exercitavam em frente à Casa de Cultura Cassiano Ricardo.
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Meu conhecimento de viola caipira, e de seu repertório, eu admito, é limitado (para não dizer "limitadíssimo"). Custei a pescar as canções. "Chico Mineiro"? "Menino da porteira"? A única que consegui guardar, nesse momento de distração - eles mesmos começavam e não terminavam quase nada (ou faltava letra, ou faltava ensaio), era mais uma confraternização... - foi "Que me importa, que me importa/ O seu preconceito, que me importa...". Brincadeiras à parte, foi bom ver o encontro de gerações (eu não havia assistido ainda a Dois Filhos de Francisco mas poderia, tranqüilamente, fazer a relação). Aproveitamos e visitamos, eu e a Carol, a tal Casa de Cultura Cassiano Ricardo e, de lambuja, avistamos o divertido fusca do "Pinga".
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A próxima parada foi o Jardim das Ervas da Maly Caran. Todo mundo a anunciava como uma espécie de bruxa (no bom sentido), uma "druida" (se a palavra existisse no feminino). Infelizmente, quando chegávamos, ela saía (para almoçar, e não voltava mais). Tratamos com suas filhas: Tatiana e Tayra; por coincidência, irmãs do Sereno da noite anterior (chef do Rao). Muito simpáticas e profissionais, mostraram tudo. (Alguém já havia contado que elas fizeram das poções da mãe um verdadeiro negócio, porque a Maly queria mesmo era pesquisar e não, necessariamente, explorar a coisa de forma comercial). Soubemos que a mesma Maly foi jornalista, muito amiga (até hoje) da Joyce Pascowitch, que se embrenhou na pesquisa (e no estudo) das ervas, concebendo óleos, xampus, sabonetes, sais e outras químicas (todas naturais) que anteciparam a Lush em muitos anos. Os testes com os itens adquiridos estão em andamento (os resultados vocês conhecem já já - o Conselheiro também testa...).
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Logo em frente, estava a tão anunciada Biblioteca Solidária do Sidnei. Ele também era elogiadíssimo de alto a baixo por toda a gente. Não foi difícil descobrir por quê. O Sidnei realiza o que ele mesmo classificou como uma missão. Formado em biblioteconomia em Londrina, com desejo de retornar à sua cidade natal, aspirava trabalhar na biblioteca pública de São Francisco Xavier. Rechaçado pela prefeitura, resolveu levar adiante o projeto - mas com seus próprios meios. Conseguiu a garagem do pai, recebeu doações, providenciou estantes e, à sua maneira, inaugurou a Biblioteca Solidária de São Francisco Xavier. Ganhou pelo feito, e ostenta felicíssimo, o terceiro lugar no concurso estadual de bibliotecas da Casa das Rosas.
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O mesmo Sidnei se emociona com seus "clientes": crianças pobres que chegam sem nem ter o que vestir e que pedem a ele um livro - para ler, para realizar trabalhos escolares (as que estudam) ou para ter simplesmente alguma ocupação grátis. O Sidnei diz que, por isso, seria impossível cobrar da população uma mensalidade. Seu sonho é enquadrar esse projeto nas leis de incentivo, estruturar melhor a biblioteca (alguns dos livros, tamanho o volume de doações nos últimos anos, já estão sem lugar) e poder viver dignamente disso (hoje ele praticamente mora na Biblioteca Solidária e é procurado, dia e noite, pelos leitores que não conseguem esperar). Apesar de todo esse amor, o Sidnei não é um leitor inveterado, mas está fazendo mais pela leitura do que qualquer governo em décadas de promessas irrealizadas.
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Nosso almoço, meu e da Carol, foi um convite do Yoshi, restaurante japonês. Antes de descrevê-lo, um parêntese. Topamos, mais uma vez, com o simpático casal Debora e Luiz Fernando - e, não agüentamos, fomos falar com eles. Era muita coincidência: no primeiro dia, na pizzaria Caboclo; no segundo dia, no Boteco do Rao; e no terceiro dia, agora, no restaurante japonês (!). Trocamos cartões e eu também dedico uma parte desta narrativa a eles. Continuando... O Yoshi é de propriedade do casal Geisa e Thompson, ela descendente de japoneses de São Paulo, ele, de chineses; ele é o shushiman e ela, a hostess. Os dois são muito amáveis. Thompson dá aulas ainda por todo o Vale do Paraíba, através do Senac, levando a arte do sushi para o interior. O restaurante deles era outra dica imperdível da Fred. Não à toa. Depois de rolinhos do Vietnã, mandei um combinado, a Carol, um yakisoba de legumes, e fechamos com uma extremamente recomendável - e tailandesa - sobremesa à base de gengibre e banana.
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Outros louvados, pela comunidade, em prosa e verso eram os artistas Vera e Chicão, da Oficina Vagalume. Deslocamos nossas bicicletas em direção à saída da cidade e, praticamente em frente à pizzaria Caboclo, lá estava a Vagalume. Quem nos recepcionou, desta vez, foi John Lennon. Sim, John Lennon, um dos cães labradores brancos criados, e muito amados, pelo Chicão e pela Vera. Também, logo mais, sua esposa, Yoko Ono (igualmente, claro, uma labradora branca). Passamos, eu e a Carol, um bom tempo perdidos entre cerâmicas e vidros, admirando. Vera contando a história do encontro com Chicão; Chicão contando a saga desde que era professor de História em BH até que desenvolveu a técnica de fusão e de tiffany, passando pela temporada deles na Itália, mais precisamente em Solano, na escola Pandora. Foi tão funda a impressão, causada em mim e na Carol - ...e aquela propriedade maravilhosa deles -, que pensamos, talvez, em pegar, também, o primeiro avião para Solano (e nos aculturar).
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Já voltando, passamos, rapidamente, antes que o sol descesse, pela Bixudumatu, a loja de luminárias de papel do Maurício. Lá encontramos novamente a Fred, nossa anfitriã. No dia seguinte, ela perguntaria: "E, aí? Conheceram mais alguns loucos de São Francisco Xavier?". Quem cruzava a rua, naquele mesmo momento, era o Rao - que saudava, por sua vez, a Tayra, do Jardim das Ervas da Maly. De repente nos demos conta de que, apesar de todo o cosmopolitismo desses atores, estávamos - pelo contato e pela geografia - numa cidade do interior... A volta, propriamente dita, de bike foi um pouco mais custosa. O tal instante inescapável de "Mens sana in corpore sano" (acontece em todas as viagens): a inclinação aumentava, a bicicleta derrapava, as pedras atrapalhavam, a estrada de terra não ajudava... Joguei a toalha: empurrei. A Fred nos consolaria mais tarde, pois nem seu filho - muito mais bicicleteiro e muito mais jovem - era capaz de superar aquela subida final, em que já se via a sede da pousada. Tudo bem, eu e a Carol - por nossa ousadia esportiva - já estávamos salvos e perdoados.
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A noite seria em grande estilo no Photozofia, a verdadeira razão da nossa vinda, o tão anunciado Encontro de Cordas da Mantiqueira, o respectivo Festival de Música. Se vocês não se importam, eu prefiro fazer a análise estética depois (num Digestivo próximo)... O que mais nos impressionou, fora toda a perfeição do Encontro, fora toda a musicalidade (que nós, paulistas restritos, nem imaginávamos), fora o banquete gastronômico (no meu caso: brusquetta, penne e mousse), foi o empenho e a dedicação da Patrícia e do Sandro. Uma verdadeira profissão de fé em prol das artes, numa iniciativa aparentemente sem paralelo num lugar do porte de São Francisco Xavier. Admiramos Fernando Pereira e Alexsandro Oliveira, rimos e admiramos ainda mais Levi Ramiro e Magrão - mas lembraremos sempre que nada disso teria acontecido sem a Patrícia e o Sandro...
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(Continua aqui...)
* fotos de Ana Carolina Albuquerque
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Postado por
Julio Daio Borges
17/9/2005 às 17h46
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