Peça de Antonio Ermírio de Moraes quer provar como a arte e a educação podem modificar a realidade social
Heliópolis, maior favela da cidade de São Paulo, abriga uma população superior a 120 mil pessoas. Diferente do senso comum, não é pela criminalidade e miséria que a comunidade é conhecida, mas sim pela Sinfônica Heliópolis, orquestra formada por jovens carentes do local. Este é o mote utilizado por Antônio Ermírio de Moraes para escrever Acorda Brasil!, sua terceira peça teatral.
O espetáculo estreou no dia quatro de maio, no Teatro do Shopping Frei Caneca, em São Paulo, com temporada prevista até 30 de julho. No entanto, o sucesso de público prorrogou as apresentações até dia três de setembro. De carona nesse sucesso, no dia 18 de agosto, Antônio Ermírio lançou, durante entrevista coletiva, o livro Acorda Brasil!, que traz o texto integral da montagem para o teatro.
A obra conta com apresentação do autor, do diretor José Possi Neto e do maestro Silvio Baccarelli - pioneiro no trabalho com a comunidade de Heliópolis - e com interessantes artigos e reportagens publicadas sobre o espetáculo por jornalistas e pesquisadores da dramaturgia brasileira como Newton Cannito, Luiz Fernando Ramos, Neyde Veneziano, Sergio Salvia Coelho, Beth Nespoli, Ivaldo Bertazzo, entre outros. Também há uma seleção de fotos com cenas da peça e dos atores. Acorda Brasil! não será comercializado, foram impressos 1000 exemplares, os quais serão distribuídos para escolas de arte dramática.
Além de Antônio Ermírio de Moraes, participaram da coletiva de imprensa José Possi Neto e os atores Arlete Salles e Petrônio Gontijo. Todo o elenco da peça estava presente no evento, inclusive, os atores e músicos da comunidade de Heliópolis. Durante a coletiva, Antônio Ermírio conta que se aproximou da comunidade no intuito de colaborar de alguma forma; quando conheceu a Sinfônica, entendeu ser essa uma boa opção. A orquestra é um projeto do Instituto Baccarelli, uma organização que trabalha pelo desenvolvimento pessoal e social de crianças de baixa renda e em situação de risco social, por meio de manifestações artísticas.
Petrônio Gontijo, em boa atuação como o protagonista Laerte, declarou ter sido uma alegria fazer este trabalho: "O melhor que pode acontecer com uma pessoa é ela se despertar e a peça prega que através da arte várias pessoas podem chegar a isso. Eu acredito que o teatro tem essa função, de chegar ao espectador e levar algo de transformador a ele." Compartilha do mesmo entusiasmo Arlete Salles, em brilhante atuação como Marta, uma ácida diretora de escola. A atriz confessa ser o tema da peça o motivo que a instigou a atuar, pois ela desejava falar de algo que considera importante para as pessoas.
Ao tratar da precariedade da educação no país, Acorda Brasil! dá continuidade a uma dramaturgia voltada aos problemas do Brasil. Antônio Ermírio de Moraes iniciou como dramaturgo 1996, com Brasil S/A, discutindo os problemas econômicos do país. Em 2000, foi a vez de denunciar o deficiente sistema de saúde em S.O.S. Brasil. Em ambas montagens o autor teve a ajuda de Marcos Caruso para orientá-lo na redação do roteiro. Já em Acorda Brasil! Antonio Ermírio contou com o apoio de Juca de Oliveira.
A Peça
O autor utiliza a estrutura melodramática e personagens um tanto caricatos, desde o início definidos como bons e maus, para contar a história. A única figura dramática que foge desse padrão é a diretora Marta. Ao longo da trama, a funcionária pública preconceituosa e ranzinza se transforma na determinada diretora de escola disposta a lutar pelo direito e por condições mínimas para que seus alunos levem adiante o projeto da orquestra. Essa mudança de atitude só foi possível pelo convívio e resultado do trabalho de Laerte e do professor Romão (Riba Carlovich), ambos sempre confiantes no potencial dos adolescentes.
É por meio do personagem de Romão, na maior parte texto, que Antônio Ermírio expõe suas idéias de esperança, tolerância e organização social para transformar a realidade vigente, visto que os governantes e elite não se preocupam com as disparidades sociais do país. Estes são os principais valores os quais o autor pretende arraigar no espectador durante a peça.
A idéia de utilizar os jovens da comunidade de Heliópolis para atuar foi de José Possi Neto e teve aprovação imediata de Antônio Ermírio de Moraes. O diretor foi feliz na preparação dos atores principiantes, que esbanjam vivacidade no palco. Segundo Possi, uma das principais dificuldades para montagem do espetáculo são as inúmeras mudanças de cenário em curto espaço de tempo. Essa é a mesma impressão obtida em uma primeira leitura do texto, ficando, então, a curiosidade sobre como Possi solucionaria a questão. Para acompanhar a agilidade do roteiro, são montadas estruturas de ferro que percorrem o palco, garantindo a rapidez proposta pelo autor. A iluminação e trilha sonora também foram muito bem executadas, enfim, uma boa produção, compatível com o nível de investimento de um generoso patrocinador.
No entanto, o ponto mais interessante de Acorda Brasil! não está nos detalhes cenotécnicos, mas sim na temática e na interação entre atores e platéia. A cada intervenção musical dos jovens atores/músicos, o público se comove e aplaude calorosamente. O final espetacular acontece quando entram em cena cerca de setenta músicos da orquestra de Heliópolis, regida pelo maestro Edílson Venturelli (no papel do maestro Romam Gupta), tocando desde a Quinta Sinfonia de Beethoven a Aquarela do Brasil. Este é o momento no qual o público, predominantemente formado por pessoas instruídas e com grande poder aquisitivo, se choca com a realidade encenada, percebendo que aquelas pessoas, aquelas histórias, realmente existem.
Embora o problema da educação e da desigualdade social no Brasil seja tratado de uma forma simplista, na medida em que se apresenta como um conflito entre personagens bons e maus, e não como um complexo emaranhado de questões políticas, econômicas e culturais estabelecidas ao longo da formação do país, a iniciativa de discutir um tema de vital importância para a atualidade é válida para não deixar o assunto cair na banalidade, indiferença e letargia que permeiam nossa sociedade frente aos problemas sociais.
Acorda Brasil! - Teatro Shopping Frei Caneca (600 lug.)
Rua Frei Caneca nº 569, 6º andar - Consolação. Fone: (11) 3472-2226. Sexta e sábado às 21:00, domingo às19:00. Duração: 110min. Preço: R$50,00. Até 03 de setembro.
Acorda Brasil!
Antônio Ermírio de Moraes
Editora: Gente - 2006
272 páginas
Chiquérrima, Fernanda! Gostei, muito bom o texto, já havia visto outras reportagens sobre a peça do Antonio Ermírio e sobre a Orquestra de Heliópolis, e achei-os muito interessantes... Muito legal ver textos legais de pessoas legais tendo espaço na mídia.
Seria mais negócio, o Sr. Antônio Ermínio contratar jovens da classe média que sabem escrever e atuar em teatro para ajudar os mais carentes a produzir um bom espetáculo sobre o seu meio. Com trabalhos como esse, incentivado pelo Sr. Antônio Ermínio, todos perdem. Os povo de Heliópolis, pois tem a ilusão de que terão futuro num meio em que só permanece quem tem talento. E os milhares de outros jovens talentosos, que, por não morarem numa área carente, não têm a mesma chance. gd ab