A verdade é que eu ainda não parei para ler Shakespeare. Sei a importância que tem o poeta e dramaturgo inglês para a literatura, óbvio, mas ainda não o conheço, a bem dizer.
Dele, li apenas Hamlet e, mesmo assim, para fazer um trabalho da faculdade. Passei uma noite em claro, lendo o mais rápido possível as páginas da edição pocket-genérica do livro, apenas com a intenção de fazer um bom texto e obter um conceito que me aprovasse na matéria. Talvez isso tenha sido um sacrilégio, mas foi o que deu pra fazer na época (em que eu era um escravo de shopping). Não muito distante, é bom frisar.
E é por saber da importância de Shakespeare que resolvi indicar, mesmo não tendo lido por inteiro, o livro A linguagem de Shakespeare (Record, 2006, 462 págs.), do crítico literário (também britânico) Frank Kermode. Não tenho vergonha alguma de dizer que não li a obra por inteiro. Até porque, a meu ver, A linguagem de Shakespeare é um livro de referência. Você pode lê-lo do início ao fim, em uma só balada, claro. Mas pode também ir lendo aos poucos, à medida que for lendo (ou relendo) as obras de Shakespeare.
O alvo, como diz o título, é a linguagem de Shakespeare, e não a análise de personagens e seus conflitos, ou a história das peças do bardo. Frank Kermode deixa isso bem claro, no prefácio do livro:
Este livro é endereçado a um público não-profissional interessado em Shakespeare que não tem sido, creio eu, bem servido pelos críticos modernos, que de modo geral parecem ter tido pouco tempo para sua linguagem; tendem eles a falar nela de passagem em termos de tecnicalidades, ou menosprezá-las em termos de platitudes recônditas. Qualquer outro aspecto de Shakespeare tem sido estudado até a morte, ou quase, mas o fato de ele ter sido um poeta por algum motivo deixou de ser levado em consideração.
Considerada a obra-prima de Kermode, A linguagem de Shakespeare é dividida em duas partes e foi publicada originalmente em 2000, sendo este ano traduzida para o nosso português, por Bárbara Heliodora.
Na primeira parte, o crítico analisa peças mais antigas do dramaturgo, como Henrique VI, Ricardo III e Rei João, em um único ensaio. Na segunda são analisadas, separadamente, dezesseis peças do bardo.
Como as obras de Shakespeare são atemporais e não se esgotarão jamais, o livro de Frank Kermode terá o mesmo destino que elas, sendo já hoje considerado como um dos maiores estudos feitos sobre a obra shakespeariana.
Rafael, você confessa que não conhece bem Shakespeare, mas ninguém conhece. Shakespeare não suporta tradução, nem o Hamlet do Millôr escapa. O inglês necessário para ler Shakespeare não se consegue em cursos ou estudos, tem que ser língua materna - a familiaridade tem que ser absoluta para captar sons, ritmos, ecos e referências, para não dizer da poesia em si, que fazem Shakespeare. E não é o enredo, o drama ou a ação das peças - que são quase de circo, telenovelas mexicanas - o negócio de Shakespeare é o que seus personagens falam, como falam e em qual tom. Os personagens têm sempre uma segunda dimensão, verbal, acima do drama específico que vivem. Shakespeare é um dos maiores criadores de frases, muitas viraram quase ditos populares. Legal você ter apontado esse livro que, parece, trata dessas questões. Nessa altura do campeonato (2006) é melhor ler sobre Shakespeare do que ler o próprio. Já é suficiente. Abraços.