A Mostra Internacional de Cinema em São Paulo é um dos grandes eventos do setor no Brasil, pois permite ao público entrar em contato com uma pluralidade de cinematografias produzidas em todo o mundo. Desde a estréia, em 1977, o evento expande suas atividades a cada ano, promovendo não só a exibição de filmes, mas também debates, lançamentos de livros, e proporcionando o encontro e a troca de experiências entre profissionais, pesquisadores e o público presente.
Pela qualidade dos filmes exibidos, a Mostra tornou-se uma boa pauta para a imprensa que cobre cultura e entretenimento, além de sagrada para os veículos de crítica cinematográfica. No entanto, o bom relacionamento entre a organização da Mostra e imprensa especializada em cinema foi abalado nesta 30ª edição do evento. Esse fato repercutiu por meio da Carta aberta à organização da Mostra de Cinema de São Paulo, redigida e assinada pelos profissionais dos sites Cinética e Cinequanon. De acordo com a carta, em sua seleção de veículos credenciados para cobrir o evento deste ano, a Mostra de São Paulo concedeu apenas uma credencial para toda a redação do Cinequanon, ignorou a Revista Cinética e reduziu pela metade a cota de credenciais do site Contracampo. Segundo os colaboradores da Cinética e do Cinequanon, a organização da Mostra excluiu os veículos de crítica independente e de internet, privilegiando a mídia impressa e não avaliando a qualidade do conteúdo crítico produzido a partir da programação da Mostra.
A carta contou com aprovação de leitores, jornalistas, cineastas e organizações do setor como a Associação Brasileira de Documentaristas e Curtametragistas - seção Rio de Janeiro (ABD&C/RJ), o Congresso Brasileiro de Cinema (representante de 54 entidades do setor), Nelson Pereira dos Santos, Maurice Capovilla, Philippe Barcinski, entre outros, que se reportaram à organização da Mostra contra essa atitude. Em resposta a essas manifestações, a organização da Mostra publicou um comunicado à imprensa alegando que a falta de credenciais para determinados veículos ocorreu devido ao recorde de solicitações recebidas em 2006. No caso, foram 611 solicitações, sendo que a organização dispunha de 150 credenciais, as quais permitem assistir a todos os filmes programados no evento.
O editor da Cinética, Eduardo Valente, rebate esse comunicado ressaltando que o ponto em discussão não é a quantidade de credenciais a serem distribuídas, mas os critérios utilizados para a seleção da imprensa credenciada. Para os profissionais da Cinética e do Cinequanon, o principal motivo de indignação é a suposta falta de reconhecimento dos organizadores da Mostra pelo trabalho de crítica cinematográfica independente e reflexiva realizado por ambos.
Segundo a assessoria de imprensa da Mostra, desde sua criação ela é um evento promovido para privilegiar o público. Caso seja esse mesmo o seu intento, os organizadores da mesma precisam repensar suas prioridades, pois a falta de valorização da crítica cinematográfica prejudica não só o publico - carente de textos de boa qualidade, com informações relevantes -, mas também os profissionais do cinema, os quais merecem uma imprensa que compreenda e dialogue sobre seu trabalho e não apenas reproduza frases feitas e o senso comum. Se a Mostra Internacional de Cinema prima pela diversidade de cinematografias, é no mínimo contraditório favorecer veículos de comunicação viciados em um discurso homogeneizado e na reprodução de releases, em detrimento de profissionais que dedicam seu tempo, trabalho e amor a estudar e refletir sobre a arte cinematográfica.
Lembro-me que isso não é a primeira vez que acontece, mas não exatamente em qual evento. Mas veículos independentes, principalmente relacionados à Internet, recebem tratamento diferenciado quando comparados com a mídia impressa.
Além da falta de críticas reflexivas, a atitude dos organizadores também mostra contradição no seu desejo de fazer um evento voltado para o público. Atualmente, não há veículo de comunicação mais abrangente e que alcance mais pessoas do que a Internet, com seus sites e blogs. Apoiar esses meios independentes é abrir ainda mais a possibilidade de o público entrar em contato com os filmes da Mostra e sua riqueza cultural. Muito bom o alerta, Fernanda.